História dos passageiros do voo 447: “Está tudo certo”, disse vítima catarinense

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A catarinense Deise Possamai, 34 anos, que seguia para a Itália, deu notícias do Rio para a família

Deise Possamai, 34 anos, ligou para a família do Rio de Janeiro. Ela seguia para Itália
Deise Possamai não gostava de despedidas. A última pessoa da família a vê-la foi o pai, Valdir Possamai. Deise permitiu apenas que ele a levasse até a rodoviária de Criciúma, no sábado, 30 de maio, onde iniciou sua viagem para a Itália pegando um ônibus para Florianópolis, a capital catarinense. De lá ela pegaria um avião para o Rio, em seguida para Paris e, por fim, Roma. Deise não deixou nem mesmo que o pai carregasse a sua mala até o ônibus. Disse apenas: “A vida continua, em dezembro eu estarei de volta”. Deise se foi, feliz. O pai voltou para o município de Nova Veneza, uma cidadezinha entre morros de 13 mil habitantes, a maioria deles descendentes de italianos da região do Vêneto. Valdir tinha saudades, mas era orgulhoso dessa filha que, como ele diria, dias depois, era uma “buscadora – de conhecimento, do mundo”.No domingo, antes de embarcar no voo 447, Deise ligou: “Está tudo certo”. Naquela noite, Jucelda, sua mãe, teve um pesadelo. Sonhou com um caixão, muita água, uma pinguela, uma ilha. Não conseguia identificar o corpo no caixão. Acordou assustada. No dia seguinte, contou ao marido, Valdir, o sonho estranho. Secretário de Agricultura do município e madeireiro, Valdir saiu para trabalhar. Estava em São Bonifácio, uma comunidade do interior de Nova Veneza, quando ouviu pelo rádio que o avião da Air France tinha desaparecido. As pernas amoleceram. Largou tudo e foi para casa. Jucelda achou que ele estava “meio estranho”. Só mais tarde, Valdir conseguiu falar: “Mulher, acho que o avião da nossa filha desapareceu no mar”. Em seguida, começaram os telefonemas.

Enquanto isso, na prefeitura de Criciúma, onde Deise trabalhava como fiscal de tributos, sua colega e uma das melhores amigas, Josiani Bombazar, ligava para todas as agências de turismo da cidade, na tentativa de descobrir se ela tinha pegado o voo da Air France. Só conseguiu essa informação depois de muito tempo, com uma amiga de São Paulo. “Eu nunca tive filhos”, diz Josiani. “Mas sinto como se minha barriga estivesse aberta desde então.” Elas tinham se visto pela última vez na sexta-feira, quando os colegas fizeram uma festa no trabalho para Deise, com salgadinhos e pequenas lembranças.

Deise tinha ânsia – de viajar, conhecer o mundo, buscar novas experiências. Preparara sua partida para a Itália durante dois anos. Josiani conta que essa seria sua viagem “de se abrir para o mundo”. Formada em Direito e Administração, Deise pretendia viver na pequena cidade de seus antepassados, perto de Roma, para conhecer a cultura, aprimorar a língua e fazer um curso de especialização. Ela já tinha viajado muito pela Europa e América Latina, mas seria sua primeira experiência de imersão. Pedira uma licença não-remunerada de dois anos na prefeitura, mas partiu para a Itália sem prazo determinado. “Ela estava aberta. Poderia ficar ou retomar sua vida aqui, do ponto em que tinha deixado”, diz Josiani. “Não acredito em acaso. Nos últimos anos a Deise viveu intensamente a sua vida, viajando muito. Ela vivia de um jeito que parecia que a vida poderia se esvair a qualquer instante.”

Na bagagem, Deise levava a documentação para concluir o processo de obtenção do passaporte italiano. Antes de partir, na quinta-feira, entregou ao ex-marido, Hercílio, um álbum de fotos das viagens que fizeram juntos. “Tínhamos mais de 300 fotos de viagem”, ele conta. “Escolhi 20 para ficar comigo.” Deise e Hercílio nunca deixaram de ser amigos. Mas o casamento havia acabado porque Hercílio desejava filhos, e Deise o mundo. Hercílio foi o escolhido pela família para ir ao Rio de Janeiro acompanhar as buscas.

Em Nova Veneza, parece que toda a cidade perdeu alguém. “É um pesar que está em todo mundo, em todo lugar”, conta o tio de Deise, Amílcar. Enquanto navios, caças e helicópteros buscavam o avião da Air France, grupos de oração surgiam em diversos pontos da cidade. “Estamos serenos porque sabemos que ela estava fazendo aquilo que queria”, diz o pai, Valdir. “Agora quero parar de falar. Quanto mais eu falo, mais dói.” Aos 34 anos, Deise sumiu no mundo, sem despedidas.

Época / www.padom.com

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