Paróquias em São Paulo oferece serviço gratuito para ouvir desabafos

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Maria Aparecida Mariano de Moura (esq.) e Nelly Prado são voluntárias do serviço de escuta em Moema.

Um serviço gratuito oferecido por diversas paróquias tem levado paulistanos à Igreja Católica -mas não para rezar. Voluntários se colocam à disposição para ouvir desabafos e histórias de quem quiser conversar, garantindo o sigilo do que é dito. Não é terapia, mas parece: a pessoa entra em uma sala, senta e fala com um interlocutor, que não dá sermão nem diz quantas aves-marias a pessoa deve rezar.

Maria Aparecida Mariano de Moura (esq.) e Nelly Prado são voluntárias do serviço de escuta em Moema.

Os voluntários não são psicólogos e não podem dar conselhos. “Apenas oferecemos tempo, atenção e paciência. O objetivo não é ser um tratamento psicológico, mas um serviço de desabafo”, conta o padre Deolino Pedro Baldissera, que criou a escuta na paróquia Nossa Senhora Aparecida de Moema, zona sul, em 2003 e hoje conta com 16 pessoas na equipe.

Desde então o serviço foi ampliado para outras paróquias -hoje são 15 na capital, uma em Santo André (Grande SP) e outra em Santos, no litoral. Juntas, somam 150 voluntários, segundo o Grupo de Apoio do Serviço de Escuta. É essa entidade que treina os interessados em “ouvir” a população. Entre as regras está o respeito à escolha religiosa, já que o serviço pode ser utilizado até mesmo por ateus.

Em visita anônima à paróquia São Luís, na avenida Paulista, na semana passada, a repórter expôs dúvidas sobre suas crenças. Foi atendida, mas ouviu que qualquer orientação nesse sentido somente poderia ser dada por um padre. Em outros casos, os voluntários podem indicar serviços como atendimento psicológico profissional e AA (Alcoólicos Anônimos).

 AnonimatoFalar de problemas íntimos com um desconhecido pode parecer estranho, mas, segundo os voluntários, é justamente o que atrai as pessoas. “Elas querem anonimato, querem um estranho, não alguém que as conheça, que vai julgá-las”, diz Maria Lidionete Casas Arruda, 67, que frequenta a igreja de Moema há mais de 35 anos e atua no serviço de escuta desde 2003.
Lá, os atendimentos chegam a somar mais de 50 por mês. O número, diz a igreja, era maior quando havia uma faixa na entrada, retirada devido à Lei Cidade Limpa, de 2007. Hoje o atendimento é conhecido no boca a boca e atrai gente de todas as idades e classes sociais.

“Recebemos de idosos que moram com a família, mas não recebem atenção, a adolescentes com problemas amorosos”, afirma Lidionete. As reclamações incluem dificuldade em relacionamentos familiar e amoroso, insatisfação com o trabalho e envolvimento com drogas.

Muita gente também se diz desesperada porque perdeu o emprego ou reclamando que no dia dez o salário já acabou. Alguns chegam a pedir dinheiro. “A gente fica com muita vontade de ajudar, mas não pode”, diz Maria Aparecida Mariano de Moura, 83.

Na metrópole mais cara da América Latina, além dos problemas financeiros, os paulistanos também reclamam da solidão. “Hoje em dia, com a correria e o estresse, é difícil encontrar alguém disposto a ouvir o outro. Muitos vêm aqui apenas para conversar”, conta a voluntária Lúcia Helena Rosas de Ávila Feijó, procuradora da República aposentada, que prefere não revelar a idade.

Certa vez ela ouviu, por duas horas e meia, a história de um idoso que relatou sua vida ano a ano, desde a infância com os pais. “Senti que ele estava apenas com saudade.”
Lidionete conta que já recebeu empregadas domésticas que vieram de outros Estados e moram no trabalho. “No fim de semana elas não têm para onde ir”, diz ela, segundo quem a maioria das pessoas não volta, quer só desabafar num momento difícil. “Certa vez uma mulher chorou por 15 minutos, me agradeceu e foi embora. Nunca mais voltou.”

Folha de S. Paulo / Portal Padom

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