A CRUZ AINDA É NECESSÁRIA? Morreu e descansou?

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 Existem atividades que somos obrigados a realizar, mas que se dependesse de nossa vontade, certamente no ausentaríamos. Talvez, no meu caso, o que menos gosto de fazer, embora seja necessário e até mesmo em razão do ministério pastoral é frequentar velórios.  Em geral as pessoas estão tristes e alguns até arrependidos por não terem tido a oportunidade de passar mais tempo com o falecido.

Mas existem duas coisas que me incomodam demasiadamente. A primeira ocorre do lado de fora em que está sendo velado o falecido. Ali, quase que sem exceção, encontramos pessoas contando piadas, casos, comentando acontecimentos políticos, esportivos ou situações circunstanciais, dando a nítida impressão de que estão somente no local por questões sociais. Nesse caso, infelizmente, não é possível evitar o comportamento.

Agora, a segunda conduta que me incomoda demasiadamente é o que é pronunciado pela grande maioria das pessoas presentes quando observam o sofrimento dos entes amados. Geralmente, a frase que mais se repete é: Descansou!

– Ele estava sofrendo muito, agora, descansou!

Outros dizem:

–  Ele está no céu descansando!

Não tenho a menor intenção de afrontar essa ou aquela crença, vivemos em um país laico e, portanto, cada pessoa tem o direito de acreditar naquilo que bem entender. Contudo, sob o ponto de vista bíblico, será que essa frase é verdadeira? Ou seja, morreu e foi para o céu e descansou?

 Em geral aplica-se a frase latina “mors omnia solvet”, utilizada em especial no Direito Penal para se referir que com a morte o de cujus passa a não ser mais responsabilizado e, portanto, deixa de ter culpa, extinguindo-se todas as ações contra ele. Note, para quem faz a afirmação parecida com “agora descansou”, sem levar em consideração a vida espiritual do falecido está dizendo que, independentemente de sua conduta ou opção de fé, o morto irá descansar.

A grande pergunta é: será que isso é verdade?

 Quando essa declaração é feita por pessoas que não confessaram a sua fé em Jesus Cristo, embora seja uma realidade dolorosa, é possível entender o que motivou o erro espiritual. Agora, o problema nos entristece quando observamos a situação atual da igreja em relação a morte e a cruz.

A busca por um templo repleto de pessoas tem feito muitos pregadores ministrarem assuntos que, somente com muita boa vontade e com extrema dilação intelectual é que podemos afirmar que estão relacionados ao evangelho. Certa feita, lendo um livro sobre pregação expositiva, uma frase do escritor me chamou a atenção. Na oportunidade ele disse que a passagem bíblica lida no início do sermão é como o hino nacional que se toca no começo de eventos esportivos. Ele aparece no começo, mas depois, durante toda a atividade, ninguém mais se lembra dele (do hino).

Vemos uma crescente negociação da cruz e de sua representatividade, em troca da liberdade sexual, sonegação de dízimo ou até mesmo da liberdade do culto individual. Não é mais necessário tomar minha cruz e seguir Jesus, basta colocar um adesivo em lugar visível, frequentar as reuniões (quando possível, afinal de contas Deus sabe de meu coração) ou até mesmo ostentar um título que a “cruz estaria em minha vida”. Será verdade isso?

Deixamos de ser o povo protestante e passamos a ser “os evangélicos” e estamos a passos largos de nos tornar os religiosos liberais!

Será, então, que todos aqueles que morrerem nessa situação irão “descansar”?

Vivemos dias em que as pessoas não se entregam mais para Deus, mas entregam algo a Deus e, caso não obtenham o retorno esperado, entram com o pedido de estorno como se as coisas de Deus fossem as coisas humanas.

A cruz deixou de representar um relacionamento pautado na fé para estabelecer um envolvimento sentimental, se eu gostar eu permaneço nessa igreja, caso contrário irei para outra!

Pensando ainda sobre a cruz, vemos que ela vem sendo, gradativamente, substituída pelo dinheiro. As pessoas culpam a má distribuição de rendas pela fome mundial. O problema, para aqueles que defendem a redistribuição de valores não está na falta de amor a Deus e ao próximo, mas na falta de dinheiro. A cruz sendo substituída por trinta moedas.

No campo da justiça, o “morreu e descansou” também não encontra nenhum bom argumento, afinal de contas, quando lemos em Gn 18, a intercessão de Abraão por Sodoma e Gomorra, concluímos que não havia nem mesmo dez justos naquelas cidades, motivo pelo qual todos pereceram. Não dá para falar em justiça de Deus sem lembrar de Rm 3.10, onde somos lembrados de que não há um justo sequer. Então, morreu e descansou?

Pensando na centralidade de Cristo na Cruz não é possível deixar de perceber que, nesse momento, Ele fez convergir Nele todas as coisas (Ef 1.10), mas até aqui percebemos o quanto a cruz está sendo deixada de lado. Hoje, com “a necessidade de se agradar a todos” interpreta-se os comportamentos pecaminosos humanos com base no que diz a lei dos homens e desconsidera-se a Lei de Deus. Aqui, busca-se o centro na vontade humana e não na divina. E aí, quem está no centro. Morreu, descansou?

No campo comportamental, hoje busca-se a igualdade entre sexos, entre raças e até mesmo o direito de se optar pela orientação sexual desejada. Tudo, sob a ótica humana está correto e assim deve ser respeitado. A grande questão é: que papel a cruz representa na vida dessas pessoas? Morreu, descansou?

Quando paramos para meditar nessas questões pensamos que são temas atuais, contudo, se olharmos para trás veremos que na época de Jesus as pessoas também não souberam o verdadeiro significado da cruz. Analisando o posicionamento dos principais atores que vivenciaram a crucificação iremos perceber que, tal qual nos dias de hoje, além de não compreenderem seu significado, eles pensaram que a crucificação seria ato único e passageiro. Tal qual muitos pensam hoje.

Pilatos, mesmo não reconhecendo culpa jurídica ou espiritual em Jesus, resolveu sentenciá-lo a morte pois assim, segundo pensava, iria acalmar o povo e os sacerdotes. A cruz, assim, foi entendida como instrumento que traria paz e tranquilidade momentânea.

Caifás, utilizou da cruz como meio político para agradar aos romanos e, ao mesmo tempo para manter o poder. Cruz como meio de manutenção política.

As pessoas comuns, do povo, entenderam a cruz como revanche, afinal de contas eles esperavam um salvador militar e, quando não obtiveram, resolveram se livrar de Jesus. A cruz como instrumento de vingança.

Essas pessoas não entenderam que a Cruz era muito mais do que eles pensavam, acreditavam ou esperavam, a Cruz era e é o único meio pelo qual somos perdoados, não diante dos homens, mas diante de Deus!

Hoje, faz-se mais do que urgente a volta ao verdadeiro evangelho. Fomos alertados há mais ou menos dois milênios de que nos últimos dias as pessoas não iriam receber a verdade do evangelho com o coração aberto, pelo contrário, elas iriam buscar apenas aqueles pregadores que falassem aquilo que elas desejam ouvir não o que precisavam escutar (2Tm 4. 3-5). Mas esse fato não deveria impedir que o verdadeiro evangelho fosse pregado (2Tm 4.2).

Vivemos dias em que uma crise de saúde está fazendo com que muitos se esqueçam de que nós não “vamos descansar” se morrermos longe de Cristo!

É verdade que foi o sangue derramado do Senhor, na cruz, que nos salvou do pecado e da morte espiritual, mas é importante destacar que o sangue, sozinho, mesmo sendo de Jesus, não poderia realizar por completo a obra da salvação. Se a cruz não fosse necessária, bastaria, por exemplo, que Jesus pegasse um prego e furasse o dedo. Pronto, o sangue Dele fluiria e o mundo estaria salvo!

Salvação sem cruz é isso, é desconsiderar tudo o que Jesus fez e buscar o “descanso” sem sacrifício, sem entrega, sem humilhação, sem cruz!

Quando não sabemos o verdadeiro significado a cruz corremos o risco de agirmos errado tal qual aquele povo que optou por Barrabás no lugar de Jesus.  Em Mt 27. 20-21 lemos que na hora de decidir entre Jesus e Barrabás o povo escolheu Barrabás. Interessante notar que o nome Barrabás é de origem aramaica e significa “filho de um pai”.

O povo, por ignorância, escolheu o “filho de um pai”, no lugar do “Filho do Pai”. Parece igual, mas não é!

A cruz, ainda é necessária!

por: Pr. Fernando Marques Sá

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