Portugal, Deputados escrevem sobre a Bíblia

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A Sociedade Bíblica Portuguesa, que se dedica à edição da Bíblia, pediu e deputados dos vários grupos parlamentares anuiram em escrever sobre o que significam as sagradas escrituras para eles. São os textos que aqui reproduzimos que acompanharam o exemplar de edição especial da Bíblia para Todos entregue ao presidente da Assembleia da República Jaime Gama. Todos os deputados tiveram também direito a um destes exemplares de edição limitada. A Bíblia Para Todos, publicada no ano passado, foi preparada por um conjunto de biblistas católicos e protestantes.

Prefácio da Sociedade Bíblica

“A tua palavra é o farol que me guia; é a luz do meu caminho.”

(Salmos 119,105)

Quando nos detemos nas crónicas de tempos remotos, na poesia dos Salmos, na sabedoria dos Provérbios, nos oráculos dos profetas ou na vida de Jesus, surpreende-nos este encontro de algo eterno com vivências que nos são comuns. Pescadores e agricultores, profetas e sacerdotes, políticos e legisladores, homens das letras e das ciências, umas dezenas de autores em contextos tão diferentes como Jerusalém, Babilónia, Roma ou Atenas, escrevem ao longo de mais de mil anos esta Palavra que cidadãos em todas as partes do mundo acreditam ser de Deus.

Ao lermos os Dez Mandamentos ou o Sermão da Montanha descobrimos quanto estes textos moldaram os princípios de vida, os valores, muitas das leis do mundo em que vivemos. O Criador não está distante. Nas palavras do Apóstolo Paulo, no Areópago de Atenas, “ele não está longe de cada um de nós. É nele que temos a vida, nele nos movemos e existimos.”

Quando em 1786 o jovem parlamentar britânico William Wilberforce, membro da Câmara dos Comuns, decidiu começar cada dia com a leitura da Bíblia, a oração e escrita do seu diário, ficou convencido de que a sua missão no Parlamento passaria a ser a de investir na reforma dos valores morais da sociedade e na abolição da escravatura. Depois de uma longa luta, o comércio de escravos viria a ser abolido em 1807 e a escravatura propriamente dita em 1833 – três dias antes da morte de Wilberforce. Foi assim que o mundo se tornou diferente.

Ao longo da História, a Bíblia tem contribuído para mudar indivíduos e nações. Tem marcado expressões de vida tão diversas como a literatura, o teatro, as artes plásticas, a música, a educação, a economia, o direito ou as ciências. A redescoberta da Bíblia, hoje, continua a inspirar o recomeçar de vidas e a reconstrução de comunidades onde a liberdade, a justiça e o amor se tornam visíveis. Ela tem em vista o bem da nossa geração e das futuras gerações.

Ao celebrar o 200.º aniversário de presença e actividade contínua no país, a Sociedade Bíblica dedica esta edição especial e limitada de A BÍBLIA para Todos aos lídimos representantes do nosso povo na Casa que representa a tolerância, a pluralidade e, acima de tudo, a liberdade.

Texto de Bernardino Soares (PCP)

Ortega y Gasset disse que o homem é ele e a sua circunstância. E assim é, não só com os homens mas com as comunidades e os povos. Assim é também com a Bíblia, as suas diversas escritas e as suas diversas leituras. A Bíblia não pode ser um texto unívoco. Desde logo porque muito diversas podem ser (e têm sido) as suas interpretações. Tantas vezes elas obedeceram (e obedecem) não à procura da verdade, mas à intenção de a instrumentalizar para fins de poder político, económico e religioso. Foi assim aliás na sua escrita, nos diversos momentos e pelas diversas “mãos” em que isso ocorreu, que foi sempre determinada pelas circunstâncias históricas envolventes e também pelos desígnios de legitimação ou consolidação dos poderes de então e de agora. O mesmo se diga das suas múltiplas traduções.

Mas ninguém poderá dizer – nem este ateu distante até da fronteira com o agnosticismo – que este(s) texto(s), que perdura, não contenha em si muito do sentir e dos anseios da Humanidade. Mesmo quem como eu aposta tudo nos homens e nos povos, e não no magistério divino, para destruir a tirania, a opressão e a exploração, sabe que muitos já fizeram e fazem da Bíblia uma arma de libertação. E que connosco se encontram em tantas lutas e combates por uma vida melhor, por um mundo mais justo. Que assim continue a ser!

Texto de Heloísa Apolónia (PEV)

«Não deixa de ser interessante, mesmo para os não crentes, que um dos textos mais conhecidos, mais antigos e com maior impacto na história da humanidade, e na nossa cultura concretamente – a Bíblia – comece (como tantas outras cosmogonias) com a criação do mundo, descrevendo-nos, em simbiose pura com a terra, de onde vimos e para onde voltaremos.

Num momento em que um dos maiores desafios da humanidade é impedir a destruição do equilíbrio fundamental entre homem e natureza, a Bíblia pode também ser, de alguma forma, olhada como uma mensagem de esperança e como um desafio presente de sabermos corresponder à enorme responsabilidade que sobre todos nós recai. A forma como a humanidade trata a Natureza, como reparte os seus recursos e como se inter-relaciona tem consequências para a própria humanidade.

Por isso, importa entender a forma como vemos o mundo, como vemos o outro e como nos vemos a nós, procurando soluções agregadoras e solidárias. Uma leitura ecuménica do mundo e de tudo o que o procura representar é muito bem vinda.

Porque pontes são precisas entre as pessoas, de diferentes credos e culturas, para construir um mundo melhor, de justiça social, de paz e harmonia, bem aventurados sejam os que fazem desse desígnio o seu evangelho!»

Texto de José Manuel Pureza(BE)

A Bíblia é património comum da humanidade. Leio-a assim. Nos seus muitos livros, escritos ao longo de centenas de anos, vejo a expressão contraditória – e às vezes mesmo conflitual – de entendimentos que as comunidades fizeram de si mesmas e da sua relação com o indizível. A fábula mistura-se com o relato, a história com a poesia, o enamoramento com a táctica, os homens com Deus, o velho com o novo, a opressão com a libertação.

Não é um catálogo de preceitos nem um receituário de vias rápidas para a salvação. É a nossa história de pessoas, com os nossos começos e as nossas finitudes. E, por isso, com toda a naturalidade, a narração da complexidade da relação da humanidade com o divino. E, pelo meio, mete-se um homem totalmente singular que foi Jesus de Nazaré. A Bíblia é também o testemunho escrito de desinstalação trazido por ele à História.

Por tudo isto, a Bíblia é aquilo que têm que ser os livros imorredouros: uma condensação da humanidade.

Texto de Luiz Fagundes Duarte (PS)

Do Tempo e da Palavra

A Bíblia é o livro do Tempo. Do nosso tempo. Daquilo que fomos antes que o tempo – esse grande escultor (Yourcenar) – fosse percebido, contado, moldado. Perdido. Daquilo que seremos quando regressarmos ao pó – hominem te memento!. É uma narrativa do que se passa debaixo do Sol – quando olhado a partir da Terra. Porque nela se diz (Eclesiastes) que há tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de chorar e tempo de sorrir, tempo de buscar e tempo de perder. Que houve um primeiro dia, e os dias que até hoje vieram, e neles os homens e as mulheres e as histórias de vida que a invenção da palavra permitiu que fossem narradas.

A Bíblia é o tempo da Palavra. Da nossa palavra. Daquela palavra que trazemos na boca e no coração, que destila como o orvalho sobre a erva, e que um dia aprendemos a fixar na escrita para que assim pudéssemos prolongar o tempo que vivemos na Terra (Deuterenómio). Porque a memória dos homens é curta.

A Bíblia é o livro do Tempo e da Palavra que não tem fim.

Texto de José Pacheco Pereira (PSD)

A Bíblia faz parte do chão em que nos movemos, é parte da nossa identidade. Mesmo num país do Sul que não conheceu a Reforma e que por isso conhece pouco sobre a Bíblia, as suas “histórias” fazem parte da carga de metáforas vivas com que organizamos o nosso pensamento e a nossa vida. Para mim, o começo do mundo é o Génesis e o fim do mundo, o Armagedão, o apocalipse. No meio, há Adão, Eva e Caim, o inocente que se deixa tentar pelo pecado, a sedução do pecado e o pecado. Há o Paraíso de que fomos expulsos e o Inferno, o “lugar” da Bíblia mais presente que há na cabeça de todos. Sem Inferno não haveria civilização.

Há David e Golias, Abraão, o da fé tenebrosa, Jonas e a sua baleia, e a figura que mais nos apela, a de Job. Há Moisés e a Lei, o maná, as pragas do Egipto, o cativeiro da Babilónia, as lamentações de Jeremias, a ira divina contra Sodoma e Gomorra e as estátuas de sal, e o homem, ou melhor, a Voz, que pregava no deserto. No Novo Testamento, basta uma só frase, a da humanidade de Deus, “Senhor, Senhor porque me abandonaste”.

Seriamos outros sem tudo isto, com fé ou sem ela. A Bíblia fez-nos e ainda não apareceu nada que a possa desfazer como o nosso chão. Somos, com vontade ou sem ela, um verdadeiro povo do Livro.

Texto de Teresa Caeiro (CDS-PP)

Para a cristã que sou, a Bíblia é, sem dúvida, a maior, mais fascinante e mais intemporal obra de todos os tempos. Mas o que a torna tão única é o facto de também não crentes reconhecerem a sua grandiosidade e influência.

Para quem tem o dom da fé ou entretém, na dúvida, a semente deste dom, a Bíblia é a conversa entre Deus e o seu povo e o Novo Testamento o mais perfeito código de conduta a que poderíamos aspirar. Os ensinamentos de Jesus Cristo, à época tão vanguardistas, mostram que é na humildade que está a grandeza e que amar Deus é amar o próximo. Para uma crente, não há obra mais conhecedora da natureza humana: das suas grandezas e misérias; das suas forças e vulnerabilidades. E nenhuma outra obra proporciona um guia espiritual, tão completo e profundo, que engrandece as virtudes da Humanidade e atenua as suas falhas.

A Bíblia é, simultaneamente, uma dádiva a toda a Humanidade. Uma dádiva de História, repleta de relatos, de versos, de crónicas e provérbios. Uma dádiva cultural, inspiradora das mais diversas expressões artísticas ao longo de dois milénios. Uma dádiva civilizacional, na qual se forjou a sociedade ocidental em que vivemos. Sim, o Livro é uma dádiva à Humanidade, pela actualidade das suas mensagens e pela universalidade dos princípios professa, como a dignidade humana, a justiça, o amor, a esperança, a tolerância e o perdão.

PTOnline/Portal Padom

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