Um menino Aparecido

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Por Aparecida, ele viajou 579 km debaixo de um ônibus
– Jeferson é Aparecido até no nome. Aos 11 anos, ele é um dos 5.025 habitantes contados no censo de 2007 em Sales, município do interior paulista às margens de um Rio Tietê ainda límpido, a 435 km da Capital – lá para os lados de Catanduva e São José do Rio Preto. Menino falante, que gosta de chamar a atenção, Jeferson Aparecido de Amorim é devoto de Senhora. Como toda a família, aliás. Semana passada ele pregou uma peça e tanto na mãe, a lavradora Silvia Helena Aparecida da Silva, de 43 anos, e no pai, seu Gervásio Cassiano de Amorim, também de 43, desempregado que ajuda em casa com os peixes que traz do rio. A propósito, Jeferson é santista, mesmo morando tão longe da praia. Nunca deu bola, compreensivelmente, para o time da região, o América de Rio Preto, cuja mascote é um diabo vermelho, conhecido como Brasinha. Mesmo chegado a uma diabrura, Jeferson deu provas suficientes de que é um menino de fé. Ao que parece, a paz de Deus não andava reinando na casa de número 32, de uma rua modesta no bairro de São Benedito, em Sales. E, numa visita que fez com a mãe à cidade de Aparecida (SP) no início do mês, Jeferson pediu à Padroeira, em pensamento, que os pais não brigassem mais. Graça alcançada, cabia a ele voltar ao santuário para pagar a promessa.
No dia 16, às 8 horas da noite, o garoto saiu de casa dizendo que iria à rodoviária se despedir de colegas que embarcariam nos três ônibus fretados por romeiros para Aparecida. Não voltou. Jeferson virou desaparecido.
“Quando deu 4h30 da manhã, fiquei desesperada e telefonei para uma amiga que estava no ônibus para saber se ele tinha entrado”, conta a mãe. A caravana encostou no primeiro posto de gasolina que surgiu para o motorista, José Antonio da Silva, de 55 anos, olhar entre as poltronas, no banheiro, vasculhar com a lanterna os porta-malas externos e gritar o santo nome de Jeferson. Em vão. O menino tinha entrado por baixo do ônibus e se escondido em um compartimento no eixo traseiro do veículo. Deitou-se sobre o para-lama interno, ao lado do tanque de gasolina. E encarou as 9 horas e 579 km de percurso entre Sales e Aparecida, tremendo de frio durante a madrugada e sofrendo com o calor do motor durante as paradas. Jeferson não se intimidou com o risco de cair sobre o asfalto que via de sua cama improvisada e diz que até dormiu.
Só na chegada a Aparecida o romeiro clandestino deu o ar da graça. “Ele então me contou que tinha me visto várias vezes batendo o martelinho para checar os pneus, mas não abriu a boca”, conta o motorista, ainda agoniado. Jeferson chegou ao destino faminto e coberto de graxa e fuligem da cabeça aos pés. Mas ileso. “Só Deus mesmo para tomar conta dele e de mim também”, suspira José Antonio.
Para o povo de Sales, onde católicos e evangélicos se emparelham na fé cristã, o milagre não foi de Deus, mas da Mãe – no caso, Senhora Aparecida, com a intenção de trazer a paz ao lar do menino Jeferson e seus irmãos, Vitória, de 5 anos, e Everton, de 19. Mas trouxe também visibilidade para o pequeno município, que aposta na beleza de suas praias de água doce e areia branca para atrair turistas das cidades vizinhas e outras regiões do País – depois que a cana-de-açúcar tomou os espaços onde antes havia uma diversificada produção de arroz, feijão, milho, algodão e tomate.
“Sales, que é conhecida pelo turismo no Brasil, agora vai ser em nível mundial”, ergue as mãos para o céu o prefeito Genivaldo de Brito Chaves, o Ni Baiano, de 47 anos, reeleito em 2008 para um segundo mandato pelo DEM. Ele aproveita a notoriedade do filho pródigo do município para divulgar, entusiasmado, o evento que sua administração prepara para o dia 7 de novembro: o 18º Baile do Havaí, na Praia Torres, com show da banda de axé Tchakabum.
Ni Baiano conta que em todas as andanças políticas que fez na última semana foi obrigado a narrar a proeza de Jeferson – menino cuja inteligência e vivacidade diz que já havia notado. Em setembro, quando um grupo de 25 alunos da quarta série da Escola Municipal Clorinda Morano Carvalho visitou a sede da prefeitura, o filho de d. Silvia era o mais desenvolto. “Ele foi logo me perguntando sobre os projetos de proteção ambiental das matas que cercam nosso município.”
Entre os professores, Jeferson é conhecido pelo talento para a geografia. “Sei dizer todas as capitais do Brasil”, conta ele, torcendo o pezinho, com modéstia. Já em casa, apesar da dedicação ao estudo e às orações em frente ao altar para a Padroeira que a família mantém na sala de estar, a fama dele é de arteiro mesmo.
Quando tinha 7 anos torceu o pé depois de saltar do telhado da casa empunhando a sombrinha da mãe como se fosse um paraquedas. Aos 9 cismou de ir de bicicleta, sozinho, até São José do Rio Preto – distante 80 km de Sales. Só foi resgatado por uma patrulha da Polícia Rodoviária depois de pedalar 15 km. Um capeta em forma de guri.
Domingo passado, após a visita à Basílica de Aparecida – onde rezou e ganhou uma estatueta de Senhora de um romeiro -, Jeferson retornou a Sales no mesmo ônibus em que passeou sob as ferragens. Dessa vez viajou confortavelmente sentado na poltrona. Meia cidade foi acompanhar os pais apreensivos à rodoviária na recepção ao peregrino mirim. “Todo o mundo ficou muito admirado, vixe. A casa ferveu de gente”, conta d. Silvia. Nos dias que se seguiram começaram os telefonemas de rádios e jornais interessados na história. E teve início uma nova romaria para o menino.
Na terça-feira, a produção do Programa do Ratinho fez uma aparição em Sales. A mãe trocou o contrato para colheita de laranjas em uma fazenda nos arredores pelo cachê do SBT. No dia seguinte, pai, mãe e filho, além do motorista do ônibus, estavam nos estúdios da emissora na Via Anhanguera, em São Paulo, para uma participação ao vivo.
Jeferson respondeu com espontaneidade a todas as perguntas do apresentador. Só ficou um pouco encabulado quando a mãe falou sobre os tais atritos domésticos. “Não, seu Ratinho, é que a gente falava alto e ele achava que era briga”, explicou. Mais tarde, nos corredores da casa, Carlos Nascimento, âncora do telejornal SBT Brasil, parou para cumprimentar o menino: “Poucos filhos fazem isso pela família. Espero que seus pais reconheçam”.
O sucesso da entrevista fez com que a emissora esticasse a permanência dos convidados, e quinta-feira Ratinho fez embarcar os três em um helicóptero Esquilo que pousou, de surpresa, em frente da Basílica de Senhora Aparecida. Jeferson chorou de emoção. “Todo o mundo queria tirar foto com ele, dizia que era bonitinho, parecia um príncipe”, conta a mãe, toda elegante na roupa nova que ganhou da produção: “A gente não trouxe nenhuma muda, pensamos que ia ser um dia só”.
Enquanto a cena do voo ia ao ar na sexta-feira, a emissora de Silvio Santos já planejava outros quadros sobre o novo milagre de Aparecida para o final de semana. A família aproveita as bênçãos do sucesso e não sabe quando vai voltar para a velha rotina em Sales. Como será a vida de Jeferson, só Deus sabe.

Estadão / Padom

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