Rio de Janeiro, operação “Resgate” em nome da fé

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Acostumado às ‘batalhas’ contra drogas, pastor Luis Cláudio usa oração para livrar os viciados (Foto: Kiko Charret) ::
Acostumado às ‘batalhas’ contra drogas, pastor Luis Cláudio usa oração para livrar os viciados (Foto: Kiko Charret) ::

Quinta-feira, dia 23 de dezembro. O relógio marca 17h40. A equipe de O SÃO GONÇALO acompanha o pastor Luiz Cláudio Paes Sodré, 29, a uma das favelas mais perigosas de São Gonçalo: o Morro da Coruja, encravado em meio a um complexo de favelas no bairro do Vila Lage. A chuva ameaça cair. Nos céus, relâmpagos ajudam a quebrar o silêncio. Alguns “olheiros” do tráfico vigiam, atentos, os becos quase desertos do lugar. É nesse cenário que surge, vestindo um conjunto creme e calçando vistosos sapatos, o pastor Luiz Cláudio. Nas mãos, ele carrega uma bíblia, a “arma” que usa desde 2004, quando deixou de lado a vida criminosa no Complexo do Salgueiro, para se tornar evangélico. Apesar do tempo ruim e do clima inseguro, o pastor se mostra feliz. E não era para menos: ele e seu auxliar concluíram, com êxito, a autêntica operação “de guerra” montada na favela para resgatar o pedreiro V, ou “Cinzeiro”, de 39 anos, um viciado em crack que estava marcado para morrer por causa das confusões que costumava arrumar no local.As poucas pessoas que estavam no Morro da Coruja naquele momento se mostraram aliviadas com o resgate. V., arredio, precisou ter as mãos amarradas com fita para não fugir. O pastor o procurou durante horas, depois de receber, por telefone, informações de fieis, dando conta de que Cinzeiro poderia ser executado a qualquer momento.
Curiosamente, ele foi achado no asfalto, ao lado da favela, em um dos pontos mais movimentados do Vila Lage: o cruzamento da Avenida Lúcio Tomé Feteira com a Rua Oliveira Botelho. Diante de vários olhares curiosos, o pastor saltou do carro e correu em direção ao viciado, que ainda tentou resistir. Mas com a saúde fragilizada pelas noites de sono perdidas na “cracolândia” da Coruja, Cinzeiro foi presa fácil – só conseguiu dar alguns passos. E o pastor, aliviado, dominou o morador e em seguida soltou um grito comum no cotidiano da batalha urbana travada diariamente entre polícia e criminosos: “Perdeu”!
O pedreiro apresentava um quadro de confusão mental – dizia frases desconexas e sem sentido. Mas no momento que foi encontrado, parecia ter retomado a lucidez. Naquele instante, caiu em prantos e conformou-se: “Perdi, chefe, perdi!”, declarou. Depois da “operação resgate”, foi levado de volta ao Morro da Coruja para apanhar seus pertences e ser encaminhado pela equipe do pastor para uma clínica de recuperação, em Itaboraí. Mas que pertences? O destino que V. escolheu foi cruel, como em todos os casos de viciados que não conseguem sair do “abismo” das drogas. A casa de seis cômodos onde morava sozinho estava incendiada. Segundo vizinhos, ele mesmo colcocou fogo, em momentos de “onda” mais profunda.
Qualquer pessoa que ficasse na casa por alguns minutos perceberia rapidamente que nada poderia ser recuperado ali. Ao ver Cinzeiro nas mãos do pastor, a vizinha que muitas vezes testemunhou os problemas provocados pelo morador chorou ao abraçá-lo: “Vai com Deus, meu filho. A droga te transformou em um mendigo. Você perdeu tudo, mas ainda poderá se recuperar em vida”, afirmou. E lá se foi Cinzeiro, apenas com a roupa do corpo, acompanhado de perto pelo pastor pelos becos da favela, deixando para trás uma rotina de furtos para sustenar o vício do crak e agressões a quem o tentava fazê-lo deixar aquela vida. A chuva voltou a cair e o pastor acelerou o passo em direção a seu carro, sempre atento, segurando Cinzeiro. “Isso aqui é um barril de pólvora! Há sempre uma bomba prestes a explodir”, declarou, antes de dar por encerrada a “Operação Resgate” na Coruja.

Crack pode causar a morte em poucos meses
Feitas com restos de cocaína e maconha, as pedras de crack tem um efeito devastador sobre os usuários e tornam-se uma armadilha implacável que podem matá-los em apenas alguns meses. Na primeira “pipada”, chega ao cérebro como um relâmpago, ligando todas as emoções e sentidos ao mesmo tempo. Quando o efeito passa, a vontade de sentir de novo o mesmo prazer surge avassaladora. Mas, da segunda vez, a “paulada” já não vem. É como se um edifício, no caso, o cérebro, tivesse sofrido uma sobrecarga de energia e os fusíveis queimassem. Em poucos meses de uso, a droga pode provocar a morte.
Seu grande potencial de dependência está relacionado a três fatores: a capacidade de ativar os sistemas de reforço no cérebro, a velocidade e potência extrema com que atinge os neurônios e a curta duração do efeito, o que faz com que o indivíduo use cada vez mais droga. O cansaço do cérebro é tanto que, após passar uma noite fumando, muitos viciados caem em sono profundo, parecendo desmaiados. A perda de função dos neurônios resulta em deficiências de memória e de concentração, oscilações de humor, baixo limite para frustração e dificuldade de ter relacionamentos afetivos. Casos de psicoses, paranóias e delírios também são comuns.O viciado se esquece de que existem horários e regras a cumprir.
Segundo vizinhos do Morro da Coruja, Cinzeiro começou a usar drogas há dois anos, depois que os pais foram para o Nordeste, deixando a casa na favela para ele e a companheira. Por causa dos entorpecentes, ele teria abandonado a atividade de pedreiro. Cansada das crises , a mulher decidiu ir embora, há três meses. “Depois disso, o estado dele piorou. Ele passa a maior partre do tempo andando e falando sozinho coisas desconexas. E arruma confusão com todo mundo”, afirmou uma vizinha.Os próprios traficantes, segundo vizinhos, já o teriam expulsado e pensavam em adotar medidas mais drásticas, caso ele permanecesse no local.

Religioso se converteu em 2004
Até 2004, Luiz Cláudio Paes Sodré tinha o perfil comum a jovens de comunidades carentes envolvidos com o tráfico. De infância pobre e seduzido pela ostentação e dinheiro dos bandidos, ele se “empregou” na boca de fumo. E assim permaneceu durante anos, até chegar ao cobiçado posto de “gerente” no Conjunto das Palmeiras.
“Vi muitos amigos de infância morrerem, mas Deus reservou um destino melhor para mim”, afirmou o pastor. Ele conta que os manguezais do lugar serviram como esconderijos. “Às vezes ficava muito tempo embaixo d’agua, apenas com um tubo na boca para respirar”, relembrou. Antes de ser evangelizado, Luiz Cláudio era conhecido como Dinho Ladrão. Mas deixou as fileiras do tráfico para ingressar no “Exército da Fé”, no dia 14 de setembro de 2004. Detido por uma PMs, foi reconhecido, colocado de joelhos e ameaçado de morte. Como estava sem drogas ou armas e não tinha antecedentes criminais, acabou liberado.
Hoje, Luiz Cláudio é um dos mais conhecidos pastores do “Ministério Resgatando Almas”. Recentemente, chegou a integrar o grupo de missionários que foi ao Complexo do Alemão para mediar a rendição de traficantes durante o confronto. Ele percorreu algumas das 12 comunidades do conjunto de favelas cariocas, onde pregou o evangelho para policiais, moradores e, principalmente, traficantes. No mesmo local, onde, durante anos, levou uma vida criminosa, o pastor mantém atividades em uma igreja, em Itaúna, no Complexo do Salgueiro. No mês passado, O SÃO GONÇALO acompanhou durante três dias o trabalho do religioso, que garante já ter fechado “bocas-de-fumo”, convertido homicidas, viciados e assaltantes, além de ter impedido execuções nos tribunais do tráfico. O “Ministério Resgatando Almas” fica na Estrada das Palmeiras, 96, Itaúna. Os telefones do Disque-Oração são 8445-1744/7886-6052. Os cultos são realizados às terças, quintas, sábados e domingo, sempre às 20h.

O Sao Goncalo / Portal Padom

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