Reconhecendo a Voz de Deus

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Como saberemos se uma palavra ou pensamento que nos veio – por meio dos outros, da voz interior, de alguma experiência especial, da Bíblia ou das circunstâncias – é ou não uma palavra de Deus para nós? Que indicação haverá na manifestação que mostrará ser ela divina?
A primeira prova, evidentemente, é se a palavra corresponder a afirmativas claras ou ao sentido da Bíblia. Todos podemos ter certeza, por exemplo, de que Deus nunca nos dirigirá para adorarmos ídolos ou para sermos gananciosos. Além desse ponto, porém, a única outra resposta à pergunta acima é: “Pela experiência”. Pois até mesmo uma citação literal da Bíblia pode ser usada como uma mensagem de nós mesmos ou de Satanás.
Talvez a incapacidade de reconhecer a voz do Senhor imediatamente resulte de nossa condição decaída. Ou talvez nossa inabilidade decorra da suavidade com que nosso Pai celestial fala conosco. Qualquer que seja a razão, parece que, a princípio, é necessário que alguém nos mostre que Deus está falando conosco e até que nos ajude a identificar sua voz. Só mais tarde conseguimos distinguir e reconhecer sua voz sem ajuda e com confiança. Essa habilidade só vem com a experiência.
Por outro lado, devemos entender que é de grande interesse para Satanás criar um grande mistério em torno da vinda da palavra de Deus diretamente a cada pessoa. Dessa forma, o poder da palavra específica de Deus para nossa vida pode ser diminuído ou totalmente perdido. Sem assistência qualificada, embora tenhamos vontade de aprender e prontidão para cooperar, a palavra direta de Deus permanecerá provavelmente como um enigma ou, na melhor das hipóteses, como um jogo de charadas teológicas. Suspeito que essa seja a condição das igrejas em geral na atualidade. Isso explica por que há tanta confusão e dificuldade relacionadas ao que realmente significa andar com Deus (Mq 6.8). Essa confusão permite que os impulsos malignos se movam pelo vácuo e nos arrastem para longe.

TRÊS FATORES NA VOZ

“Ouço a voz do meu amado; ei-lo aí galgando os montes, pulando sobre os outeiros. […] Eu dormia, mas o meu coração velava; eis a voz do meu amado, que está batendo” (Ct 2.8; 5.2).
Há fatores que diferenciam a voz de Deus das outras vozes, exatamente como uma voz humana pode ser diferenciada de outra. O fator mais imediato na voz humana que, por si só, é suficiente para que os mais chegados reconheçam a quem ela pertence é uma certa qualidade no som. No plano humano, a qualidade inclui também o estilo. Por exemplo: falar devagar ou depressa, com suavidade ou aos arrancos, de forma direta ou indireta.
Além da qualidade, há um certo espírito na voz humana. Ela pode ser cheia de paixão ou fria, lamentosa ou exigente, tímida ou confiante, lisonjeira ou autoritária.
Por fim, há o conteúdo, ou a informação transmitida. Embora raramente seja esse o sinal mais imediato de quem fala, é, no final, a identificação mais conclusiva, pois revela sua história e sua experiência consciente. Mesmo que a qualidade e o espírito sejam totalmente diferentes, uma pequena informação específica pode levar à identificação conclusiva de quem fala, em certos casos. Por exemplo: podemos identificar as palavras de alguém mesmo quando outra pessoa as repete ou lê em voz alta.

1. O PESO DA AUTORIDADE
No caso da voz de Deus, há também uma qualidade peculiar com a qual podemos familiarizar-nos – mas não estritamente a qualidade do som, como na voz humana. Isso porque a voz de Deus geralmente (embora não sempre) assume a forma de certos pensamentos ou percepções que entram em nossa mente. É evidente que não se trata de sons.
A qualidade da voz de Deus se relaciona mais com o peso ou impacto que uma impressão causa em nossa consciência. Uma força inflexível e calma com a qual as comunicações de Deus atingem nossa alma, nosso ser mais profundo levam-nos à concordância e, até mesmo, à submissão ativa. Com freqüência, a concordância e a submissão acontecem antes que o conteúdo da comunicação seja entendido por completo.
Sentimos, em nosso interior, o poder imediato da voz de Deus. A autoridade inquestionável com que Jesus falou à natureza, aos seres humanos e aos demônios nada mais era do que a clara manifestação dessa qualidade da palavra de Deus.
Tratando a questão de como podemos distinguir a voz de Deus da de nosso próprio subconsciente, E. Stanley Jones disse:
Talvez a maior distinção seja esta: A voz do subconsciente discute, tenta convencer você; mas a voz de Deus em nosso interior não discute, não tenta nos convencer. Ela simplesmente fala e confere autenticidade a si mesma. Traz a impressão da voz de Deus dentro de si.
Quando Jesus falava, suas palavras tinham um peso de autoridade que abria o entendimento dos ouvintes e lhes suscitava a fé: “porque ele as ensinava como quem tem autoridade, e não como os mestres da lei” (Mt 7.29). As pessoas se retiravam da presença de Jesus com a mente e o coração repletos de pensamentos e convicções que ele escrevia nelas pelo poder da voz e da palavra de Deus, com as quais falava.
A distinção qualitativa imediata da voz de Deus é enfatizada no primeiro sermão de John Wesley, The Witness of the Spirit, (O testemunho do espírito). Ele apresenta uma pergunta: “Mas como alguém que tem o testemunho verdadeiro dentro de si conseguirá distingui-lo da suposição?” E responde:
Como, pergunto eu, distingue-se entre o dia e a noite? Entre a luz e a escuridão, ou entre a luz de uma estrela, ou de uma vela brilhante, e a luz do sol do meio-dia? Não há uma diferença inerente, óbvia e essencial entre um e outro? E não se percebe imediata e diretamente essa diferença, desde que os sentidos funcionem da forma adequada? De modo semelhante, há uma diferença inerente e essencial entre a luz espiritual e a escuridão espiritual, e entre a luz por meio da qual o Sol da justiça brilha em nosso coração e aquela luz tremeluzente que aparece apenas das “fagulhas de nossos próprios gravetos”. E essa diferença também é percebida imediata e diretamente, se nossos sentidos espirituais funcionarem da forma adequada.
Exigir um relato mais minucioso e filosófico da maneira como distinguimos entre elas, e dos critérios (ou marcas intrínsecas) pelos quais conhecemos a voz de Deus é fazer um pedido que jamais poderá ser atendido – não, não pelo que tem o mais profundo conhecimento de Deus.

2. O ESPÍRITO DA VOZ DE DEUS
A voz de Deus que fala à nossa alma carrega em si um espírito característico de paz e confiança sublimes, de alegria, de moderação tranqüila e de boa vontade. Em síntese: é o espírito de Jesus, e com essa expressão refiro-me ao tom global e à dinâmica interna de sua vida pessoal como um todo.
Os que viram Jesus viram o Pai, que compartilha o mesmo Espírito, que é o que caracteriza a voz de Deus em nosso coração. Qualquer palavra que carregue um espírito contrário a esse não é, de modo algum, a voz de Deus. E, por carregar a autoridade em si mesma, a voz do Senhor não precisa ser alta nem histérica.
Bob Mumford tem uma ilustração clara desse ponto. Certa vez, quando estava na Colômbia, a voz de Deus lhe disse, com bastante nitidez: “Quero que você volte a estudar”. Ao descrever a experiência, ele traz à tona a qualidade e o espírito da voz:
Não teria sido mais claro se minha esposa houvesse pronunciado as palavras bem do meu lado. Foi dito com clareza, força e diretamente para o meu espírito. A voz não exigia, não havia urgência nela. Se houvesse, eu imediatamente teria suspeitado que vinha de outra fonte que não o Senhor. A marca vocal era terna, mas firme. Eu sabia que era o Senhor.
O espírito doce e calmo da voz de Deus permanece na vida daqueles a quem ela se dirige: “Mas a sabedoria que vem do alto é antes de tudo pura; depois pacífica, amável, compreensiva, cheia de misericórdia e de bons frutos, imparcial e sincera'” (Tg 3.17).
Se prestássemos atenção a essa única afirmação, jamais nos faltaria a certeza quanto a quem fala em nome de Deus e quem não.

3. CONTEÚDO
Por fim, há um conteúdo que identifica a voz de Deus. Isso se relaciona com as informações que a voz nos transmite. Talvez seja melhor falar de uma dimensão do conteúdo, já que o conteúdo específico da palavra individualizada vinda de Deus pode ser de difícil identificação quanto à proveniência.
Mas há algo que podemos dizer: O conteúdo de uma palavra que procede verdadeiramente de Deus sempre estará em harmonia e será coerente com as verdades sobre a natureza de Deus e seu reino apresentadas com clareza na Bíblia. Nenhum conteúdo ou alegação que não se harmonize com o conteúdo bíblico é palavra de Deus, e ponto final!
Para serem considerados a voz de Deus, um pensamento, percepção ou outra experiência precisam harmonizar-se com os princípios – as verdades fundamentais – das Escrituras. O que conta na Bíblia são os princípios, não os acontecimentos eventuais. Por exemplo, quando Jesus, em Marcos 10, disse a um jovem refinado que era necessário vender tudo que tinha e dar o que apurasse aos pobres, ele estava dando uma palavra eventual (já que não pediu isso a todos que encontrou). É claro que no caso específico desse jovem a diretiva de Jesus atingiu em cheio o âmago de seu problema com a riqueza. Mas não é um princípio que todos têm de seguir. Por quê? Porque não é um ensinamento que surja do todo das Escrituras e não deve, sem avaliação e orientação suplementares, ser tomado como a palavra de Deus para você ou qualquer outra pessoa.
Por outro lado, as palavras de Jesus em Marcos 8.35 (“Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por minha causa e pelo evangelho, salvá-la-á”) ou em Lucas 12.31 (“Buscai, antes de tudo, o seu reino, e estas coisas vos serão acrescentadas”) são princípios absolutos e universais. Nunca uma palavra específica que venha de Deus irá contradizer esses princípios, que são o conteúdo da voz de Deus.
Podemos afirmar, com toda certeza, que qualquer voz que prometa ausência total de sofrimento e de fracasso não é a voz de Deus. Nos últimos anos, inúmeros porta-vozes que alegam ser de Deus vêm apresentando formas como podemos usar Deus e a Bíblia para garantir-nos saúde, sucesso e riqueza. Mas, se conhecermos o conteúdo que identifica a voz de Deus, essas coisas jamais nos enganarão.
por Dallas Willard
Ultimato / Padom

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