O amor vale mais do que lindas flores e véu de noiva

301

noivaO fato teve seu desfecho exatamente há 35 anos, no dia 1º de abril de 1970, na capela particular do bispo Dom Jaime Luiz Coelho, em Maringá, PR.

Após o envio do libelo para Roma e a espera de cerca de dois anos pela decisão canônica, finalmente veio o veredicto: “Faça o casamento religioso”.

Gentilmente, Dom Jaime me procurou. Eu era então diretor do Colégio São José, em Maringá. Ele tomou a dianteira e me disse: “Vou fazer o seu casamento bem simples e singelo. Sem muitas cerimônias. Dispenso testemunhas, parentes e amigos”.

Feliz por ter enfim recebido a dispensa de Roma, combinei tudo com minha esposa e fizemos os preparativos. Mas, que preparativos? Não tinha de preparar nada. O bispo só me disse: “Faça antes uma boa confissão”.

Na manhã do dia combinado, às 7h30, lá estávamos eu e minha esposa na capela particular do senhor bispo. Por que sozinhos? Não sei. Talvez não conviesse que o povo soubesse que o padre Benno e a dona Tereza não eram casados legitimamente! Meandros da ética e das leis canônicas!

Antes da missa, que o bispo rezou pessoalmente, sem outra assistência senão nós dois nubentes, foi realizada a bênção do nosso “casamento clandestino”. De fato, a cerimônia foi simplíssima, como Roma desejava.

Passados tantos anos, até hoje não sei o porquê da clandestinidade. Estaríamos fazendo algo errado? Ainda mais depois daquele solene decreto do Concílio Vaticano II, que afirmava que não havia contradição entre o sacerdócio e o matrimônio. Ou seria porque o povo de Deus não deveria tomar conhecimento desse decreto? Essa pergunta ainda está engasgada na minha garganta.

Em todo caso, estávamos casados. E o casamento foi feito por um bispo, meu amigo Dom Jaime, que sempre me tratou com caridade e respeito. Mais tarde, porém, minha esposa lamentou não ter usado o véu de noiva e o fato de ninguém ter levado flores. Eu a consolava dizendo que o amor vale mais do que lindas flores e o tradicional véu de noiva. “Já vimos tantos casamentos, alguns até celebrados por mim como padre, cheios de aparato externo e tão pouco amor”! — dizia-lhe.

Alguns alunos me perguntavam: “Professor, o senhor é casado no religioso?” Eu sempre respondia: “Oh, sim! E o meu casamento foi feito por um bispo. Isso me honra”.

Todavia, continuamos a lastimar a terrível ausência de testemunhas, de véu, de grinalda, de flores.

Um dia, em conversa íntima com Dom Jaime, perguntei discretamente: “Por que eu, padre casado, não posso rezar missa?” Após longa pausa, pensativo, ele respondeu: “É, padre Benno, se não fosse Roma!” Essa última palavra, ele esticou bem: “Roooma!” Pensei com meus botões: “ele não disse ‘se não fosse a mulher’”. Quantas vezes é a mulher que leva a culpa! Foi assim no paraíso. Dom Jaime nada mais acrescentou. Sempre, porém, foi um pai amoroso e verdadeiro. E mais: um bom pastor. Afinal, sou grato a ele, por ter abençoado nossas alianças e por ter nos dito: “O que Deus uniu, o homem não separe”. Muito obrigado, Dom Jaime. Tu foste um pai para nós!

Em recente edição do Direito Canônico, o cânon 1.333 abre uma brecha e declara que, se um grupo de fiéis pedir que o padre casado administre os sacramentos, este poderá fazê-lo legitimamente.

Por conveniência interna da Igreja, depois de ter jogado tanta pecha sobre os padres casados, esse item não é muito propalado entre os fiéis.

Hoje, o diácono ou o ministro da eucaristia faz praticamente tudo o que era da jurisdição dos padres antigos: batiza, administra a comunhão, assiste aos moribundos, celebra casamentos, enterra os mortos, ensina catecismo às crianças… E já não se questiona o fato de ele ser casado. Aliás, em todas as outras igrejas cristãs, tanto nas ortodoxas como nas evangélicas, as esposas dos pastores e dos bispos nunca foram um estorvo.

Deixo consignado aqui que muitos velhos colegas, depois de terem levado a pecha de “ex-padres”, agora, em certas ocasiões, a convite da igreja, podem e devem ministrar os sacramentos. É verdade que alguns já não têm vontade de fazê-lo.

Nos dias de hoje, quando em quase todas as esquinas dos nossos quarteirões aparecem igrejas de outras denominações cristãs, parece que os velhos coronéis tão massacrados e perseguidos por métodos autoritários vêm sendo, aos poucos, novamente valorizados.

O muro de Berlim também caiu!

fONTE: Revista Ultimato

Deixe sua opinião