História dos passageiros do voo 447: “Não estou conseguindo aceitar”

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antonella-pareschiAntonella Pareschi, namorada do maestro Sílvio Barbato, passageiro do voo 447, vive a angústia do desaparecimento: “Eu às vezes acho que seria melhor não aparecer nada, nunca, porque aí jamais vou ter certeza absoluta de que ele está morto”
A violinista carioca Antonella Pareschi (foto), 33 anos, namorava há quatro o maestro Sílvio Barbato, um dos passageiros do voo 447 da Air France que desapareceu nesta segunda (1º) quando sobrevoava o Oceano Atlântico. Spalla (como é chamada a primeira violinista) da Orquestra Petrobras Sinfônica, Antonella começou a tocar ainda menina – tem 20 anos de carreira. Seu pai, o italiano Giancarlo Pareschi, foi violinista da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro por 30 anos. Emocionada com o acidente do avião em que estava o namorado e ainda sem saber como contar a seus dois filhos, de 7 e 10 anos, que o “Tio Sílvio desapareceu”, ela falou a ÉPOCA:ÉPOCA – Qual o motivo da viagem do maestro?

Antonella Pareschi – Ele estava indo para a Ucrânia, para Kiev, com conexão em Paris, para fazer uma palestra sobre música russa e brasileira e para mostrar a ópera Carlos Chagas, que ele estava terminando. A versão pocket estreou ano passado em Roma e aqui haveria uma versão maior, de duas horas. E ia também falar da influência da música russa na nossa música. O convite para a viagem aconteceu há apenas 20 dias, ia ficar na casa de um ministro ligado à cultura, por meio da embaixada brasileira. Ele estava também fazendo sua terceira ópera, que ficou inacabada, sobre Simon Bolívar. Sílvio levou os originais no avião com ele. A sorte é que, sempre que viajava, ele me avisava onde estavam as cópias.

ÉPOCA – Você o levou ao aeroporto no domingo?
Antonella – Não o levei ao aeroporto porque estava com meus filhos. Mas nos falamos a toda hora. Somos o tipo de casal que fala de dez em dez minutos. Meu filho mais velho brinca dizendo: “Tio Silvio é o ligador”. Ele só desligou o telefone quando a aeromoça pediu.

ÉPOCA – E o que ocupava a cabeça dele na hora do embarque?
Antonella – A preocupação era o lugar em que o tinham colocado no avião. Na última fila, que ele detestava. Disse que reclamou com a moça do check in, mas não teve jeito. Ele até brincou comigo dizendo: “Vamos ver se pelo menos senta uma moça gostosa do meu lado!”. Ele era assim, sempre brincalhão, sempre vendo o lado bom de tudo. Depois, de dentro da aeronave, me ligou de novo para dizer que um homem muito bem vestido havia sentado ao lado dele, simpático, que o cumprimentou.

ÉPOCA – O que você tem feito enquanto não se descobre o que houve?
Antonella – Vejo televisão o tempo todo. Mandei meus filhos para a casa do pai, porque eles não sabem ainda. E eu não sei o que dizer. Acompanho todo o noticiário, ainda na esperança de haver algum sobrevivente. Sei que é doido, mas não estou conseguindo aceitar. Ele sempre brincava que nunca ia ficar velho, que ia sumir. Eu falava que íamos ficar velhinhos juntos, mas ele dizia “é ruim, hein?”. “Vou pegar onda no Leblon, se quiser ficar com as suas dores, fica, mas eu vou sumir”.

ÉPOCA – Como estão os filhos dele (Elisa, 25 anos, e Daniel, 24)?
Antonella – A filha do Sílvio mora em Roma, onde estuda filosofia há cinco anos. Está vindo hoje para o Brasil e não está nada bem. Ele encontraria com ela na Itália depois de ir a Kiev.

ÉPOCA – Vocês foram procurados pela Air France?
Antonella – Sim, ontem (segunda) ainda de manhã. Confirmaram que ele estava no voo. Até lá eu ainda tinha esperanças de ele não ter embarcado, por um milagre. Eu havia telefonado antes para a companhia, pedindo notícias, e deixei o meu contato.

ÉPOCA – Como você ficou sabendo do desaparecimento do avião?
Antonella – No domingo fui dormir com todos os telefones ligados do meu lado. Era costume nosso ele telefonar cedinho, assim que chegasse em Paris, só pra dizer que estava tudo bem. Quando abri os olhos, por volta das oito, achei muito estranho ele não ter telefonado. Por volta de uns quinze minutos depois um amigo nosso da orquestra, que sabia que ele viajaria, me ligou, perguntando qual era a companhia pela qual o Sílvio tinha viajado. Respondi e então ele fez outra pergunta: você já ligou a televisão? Na hora percebi que alguma coisa de ruim tinha acontecido, e aí ele falou do avião que tinha sumido. Fiquei desesperada, comecei a passar mal, mas me segurei, meus filhos dormindo no quarto ao lado…

ÉPOCA – Você tinha certeza de que era o voo dele?
Antonella – Certeza quase absoluta, mas, na defensiva, comecei a acreditar que poderia não ser. Fui para a Gávea, no apartamento dele, que era nosso cantinho, e busquei algum papel, alguma confirmação do número do voo. Mas antes disso a Air France me ligou com esta confirmação.

ÉPOCA – Como vocês se conheceram?
Antonella – Eu o conheço desde criança, meu pai tocava na orquestra em que ele, jovem, já era maestro. Eu o achava maravilhoso. O apelido dele era “menudo”, porque usava um cabelo grande. Eu, pré-adolescente, adorava os menudos. O tempo passou, acabamos namorando.

ÉPOCA – O que é para você ficar sem ele?
Antonella – Ele foi o grande amor da minha vida. Não sou ligada a meus pais, ele era tudo para mim. Sempre fui uma pessoa meio para baixo até ele aparecer, sempre de bom humor, otimista em todas as situações. Nunca o vi de mau humor e isso é verdade. Um homem realizador, muito apaixonado, um sonhador, acima de tudo. E também uma influência enorme na minha carreira. O maior incentivador do curso de aperfeiçoamento de violino que eu estou fazendo em Roma. São muitas viagens, meus filhos são pequenos, precisam de mim. Eu cheguei a pensar em desistir, mas ele não deixou. Minha conclusão do curso seria na semana que vem. Mas eu não posso nem pensar em entrar num avião agora. Talvez eu consiga um adiamento. Mas, se isso não acontecer, vou arrumar alguma força para ir, por ele até mais do que por mim.

ÉPOCA – Muda alguma coisa para você aparecer corpo ou não?
Antonella – Não sei. A maioria das pessoas com certeza prefere um corpo, um enterro, prefere a certeza. Eu às vezes acho que seria melhor não aparecer nada, nunca, porque aí eu jamais vou ter certeza absoluta de que ele está morto. Vou estar sempre com a ideia de que ele pode estar náufrago, em algum lugar que ninguém conhece, quem sabe com uma nativa gostosa, como ele sempre brincava?

Época/www.padom.com

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