Gary e Anne Ezzo: casal fala sobre educação dos filhos

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Gary e Anne Ezzo também poderiam ser chamados de Felipe. Desde a fundação da organização Growing Families International (GFI), a missão do casal é, assim como foi a de Felipe, ajudar pais de todo o mundo a se tornarem pais melhores, capazes de ensinar as virtudes cristãs para seus filhos e de manter uma relação de interdependência entre os membros da família, de modo que todos olhem sempre para a mesma direção.

Autor de 22 livros, o casal já ajudou sete milhões de pais na árdua tarefa da paternidade. Em fevereiro, Gary e Anne estiveram em Vitória para uma série de palestras em parceria com a Universidade da Família (UDF) e, na ocasião, falaram, com exclusividade, à Revista Comunhão.

Há uma fórmula mágica para educar os filhos no mundo de hoje? Qual é a “melhor” receita?
A resposta é não. Se pudéssemos definir a melhor maneira, nós a definiríamos. Esta é uma pergunta interessante, porque todo mundo procura um jeito melhor. Porém o melhor, hoje, é algo muito relativo. Eu posso colocar um valor muito alto no que diz respeito à honestidade, respeito pelos idosos, pela propriedade alheia, e o meu vizinho pode não dar o mesmo valor que eu dou a essas mesmas coisas. Na comunidade cristã, temos que evitar tudo o que é relativo. Uma coisa que é digna de confiança, porque é verdade, é a fonte de nossas virtudes. Deus é a fonte de todo o bem, de toda a vida, de toda a virtude, e essas coisas refletem o caráter dEle. Em última análise, isso é que é o melhor. Então, devemos perguntar o que é mais agradável diante de Deus. E a resposta a essa pergunta é que vai dizer o que é o melhor na educação dos filhos.

A pós-modernidade, em que tudo é fluido, vazio e efêmero, é um fenômeno sem volta. Toda essa liquidez acarreta perda de valores e de referências familiares e cristãs?
Sim. A intenção de Deus é de que a família fosse a instituição geradora de valores para toda a sociedade. Mas, por influências sociais ou culturais, o processo inverteu-se: agora é a sociedade que traz os valores para a família. Não somente a família perdeu a sua identidade, mas também a comunidade cristã.

Vivemos então uma era de inversão de valores? Os valores cristãos ainda persistem?
Mesmo na comunidade cristã, estamos fazendo uma confusão entre os conceitos de valor e virtude. Um homem pode querer que os filhos precisam ter uma educação refinada; nós todos acreditamos que o analfabetismo precisa ser erradicado. Esses são valores. Agora, as virtudes da bondade, da paciência, do autocontrole e do amor são o que refletem o caráter de Deus. Os valores cristãos podem até mudar com o tempo, porque são relativos. Mas a comunidade cristã precisa se preocupar é com a perda das virtudes, porque a virtude é a coroa, é o que faz a diferença no cristianismo. Uma das grandes mudanças que temos enxergado na nossa sociedade, por exemplo, é valor que ela dá à pureza. Porém pureza não é um valor, é uma virtude. Mesmo na igreja, ao invés de fortalecermos a virtude, acabamos nos moldando àquilo que a sociedade chama de valor.

E como fazer para não deixar a perda de virtudes acontecer na família?
Isso é fundamental. O primeiro ponto é o que está em Deuteronômio 6, onde está escrito que primeiro precisa estar no coração dos pais para que seja transmitido aos filhos. O que a igreja precisa entender é o lugar que a transmissão de virtudes deve ocupar no processo de criação das crianças. Há duas formas em que se precisa ensinar: no intelecto e também no coração. Então, a melhor maneira de evitar que esse tipo de crise aconteça na família é começar ensinando virtudes às crianças, o que é papel dos pais.

A era da internet traz ganhos e importantes desafios quando o assunto é a criação dos filhos. Qual é a dose certa para a inserção da tecnologia dentro de casa?
A tecnologia só se transforma em um monstro em um ambiente onde os pais não têm um relacionamento de influência sobre seus filhos. A internet não é má. Nós somos grandes proponentes de que todos os filhos, todos os cristãos devem ter acesso à tecnologia. As crianças podem usar a tecnologia, porque ela muda a cada seis meses. Abraão, Isaac e Jacó pertenciam a três gerações diferentes e usavam a mesma roupa, comiam a mesma comida, ouviam a mesma música, se comunicavam da mesma forma. Mas hoje não se usa mesma roupa que os pais. As mudanças são tão rápidas que a luta para o cristão é se manter atualizado. Não devemos tentar isolar os nossos filhos da tecnologia. O que ensinamos é que os pais devem investir de forma insistente no relacionamento e na influência para que os filhos possam confiar neles e aceitar a sabedoria que vem deles. Um dos erros que os pais cometem é achar que a tecnologia é do diabo e que os filhos devem se afastar dela. É tão ruim pensar assim quanto deixar o filho fazer o que quiser com a tecnologia. O desafio é grande, porque a tecnologia pode ser uma bênção ou uma maldição.

Em seus livros, vocês falam muito sobre como ser pais. Isso é algo que realmente se aprende ou simplesmente surge no indivíduo?
A única vez que vi isso acontecer de forma espontânea, sem que precisasse haver ajuda, foi no processo geracional, depois de haver cinco gerações de cristãos. Mas a maioria de nós precisa de alguém para nos ajudar. Nós somos como Felipe, enviados para essa nova geração de pais. Trazemos alguma experiência, talvez algum dom que recebemos de Deus, um insight, uma revelação, um entendimento. Por isso, podemos mostrar os atalhos e caminhos. Mas assim como não podemos fazer com que eles sejam bons pais, não podemos fazer com que tenham bons filhos. Nós podemos mostrar os recursos, da mesma maneira como podemos prover recursos para os nossos filhos. Eles é que escolhem ter sabedoria.

Há uma inquietação nas escolas, muito por conta da prática do bullying. Como proteger nossos filhos para que não sejam agressores nem vítimas desse mal?
Temos que ensinar aos nossos filhos a preciosidade das outras pessoas, para que eles não se tornem agressores. Há muitos princípios bíblicos de valores que temos que colocar no coração de nossos filhos, como o autocontrole em momentos de dificuldade. O que podemos ensinar para os filhos de cinco, seis, oito anos é: “busquem uma porta de escape, para quando vierem agredir vocês”. Talvez o professor seja essa porta de escape ou um grupo de amigos com a mesma mentalidade. Mas há um terceiro agente além do agressor e do agredido: é o amigo da vítima em potencial. Ele precisa estar do lado da vítima. Nossa tendência é focar no praticante e na vítima do bullying, mas é o grupo que precisa dizer não ao bullying para que o praticante dê um passo atrás. Esse terceiro elemento também pode ser a família. Se essa família tem um relacionamento de independência, a criança não achará o abrigo na família; mas se há interdependência, a família já é o abrigo dessa vítima em potencial.

Falando em escolas, qual o limite entre o que ela e a família devem ensinar? Preceitos religiosos, por exemplo, como entram nessa questão?
Esta pergunta tem fundamento filosófico e político. No nosso ponto de vista, o ideal é o relacionamento entre pais e professores. A comunidade de pais tem uma força de influência maior sobre a educação da criança. Vamos dizer que a lei determine que não haja influência da religião na educação. A maneira para continuar trazendo o coração de Deus para dentro dessa escola é através da criança. Os professores amam a criança obediente, respeitosa, controlada, honesta, que tem cortesia. Há religião nisso? O que há é o verdadeiro caráter de Cristo na sala de aula. E isso vem de dentro de casa. Temos que fazer com que a família entenda que essa é uma missão, que há um movimento missionário nisso. A estratégia é, através do comportamento, fazer com que Deus se torne grande. Quando essa criança vai para a sala de aula, o que ela faz é transformar Deus em algo muito grande. Os nossos filhos é que são a resposta.

As escolas estão preparadas para ensinar às crianças de hoje?
Os professores estão bem equipados em termo de procedimentos, mas estamos enviando para a escola crianças que não estão preparadas para aprender. Elas têm até a capacidade e a habilidade para aprender, mas não estão preparados para isso, porque falta a elas autocontrole, concentração. Este não é um julgamento aos pais. Os pais não fazem melhor porque não sabem como fazer melhor. Não falta aos pais a atitude de querer fazer a coisa certa, mas o que falta é um Felipe que se coloque ao lado deles e explique como as coisas funcionam. E o que Deus tem dado à comunidade cristã é um número enorme de Felipes, para que todos possam aprender.

Qual a diferença entre as crianças de tempos atrás e as de hoje, que já nascem imersas em tecnologias e novidades, são muito mais ativas e espertas?
As crianças do nosso tempo sabiam como ler e, na escola, faziam anotações. Quando você faz isso, começa a criar dentro de você uma trilha de memória, um hábito de pensamento. Hoje, eu só preciso pegar um aparelho e falar com ele para que tudo apareça na tela. Isso é conveniente, mas a trilha do pensamento que está conectada à memória se perde. A diferença entre essas duas crianças não é só uma questão de tecnologia, mas é que estamos perdendo a competência dessa trilha neurológica. As crianças sabem onde encontrar as respostas, mas não fazem ideia sobre como aquela resposta veio a acontecer.

Uma pesquisa recente feita por uma empresa internacional de software apontou que 19% das crianças não têm problema nenhum em usar aplicativos de smartphones, mas apenas 9% conseguem amarrar os próprios sapatos. Isso é preocupante? De quem ou do quê é a “culpa”?
De certa forma, esses números são relativamente precisos e representam alguma coisa com a qual devemos nos preocupar. O que acontece é que uma parte do cérebro está sendo desenvolvida, mas uma parte substancial do cérebro está subdesenvolvida. Uma criança pode ser super inteligente, mas não ter caráter, ser desonesta. Há todos esses desequilíbrios. E é por isso que digo que não se deve dar um celular, por exemplo, a uma criança de dois, três anos, porque Deus criou o ser humano para ter o seu cérebro desenvolvido em determinada ordem, e isso precisa ser obedecido. Ao invés de treinarmos nossos filhos para terem virtudes e autocontrole, estamos dando a eles aparelhos eletrônicos para ficarem quietos.

Então, o que é fundamental ser ensinado às crianças?
A primeira coisa e mais fundamental de todas é que elas tenham a certeza do amor dos pais. Isso é feito a partir de um ambiente de aprendizado, que encoruje o amor e o aprender; de um ambiente em que os pais transmitam conhecimento, aprendizado e informações úteis. Quando você passa conhecimentos que não são úteis, está gastando demais com conhecimento que não vale a pena. É o que diz a Bíblia: “o temor do Senhor é o princípio de toda a sabedoria”. Se continuarmos só ensinando tecnologia, vamos criar uma geração de “super burros”. Outra coisa que é fundamental é alcançar o coração das crianças com virtudes e valores que tenham significado em Deus. A criança que conseguir assimilar as virtudes que vêm de Deus será uma boa companheira na humanidade, porque vai ter essas virtudes dentro do coração e da mente. Além da capacidade de aprender, ela terá o maior dos dons: o dom da compreensão e do entendimento. A tecnologia até pode me trazer conhecimento, mas jamais me trará compreensão e entendimento. Os meus pais podem me trazer entendimento. E é esse entendimento que abre as portas para a sabedoria. Nós damos aos nossos filhos o porquê moral, mas não temos explicado como fazer as coisas moralmente. Fazendo isso, vamos liberar nossos filhos para uma compreensão moral. E aí eles estarão a um passo de obterem a sabedoria.

Revista Comunhão / Portal Padom

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