Fé que se transforma em cura

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Desde os primórdios da humanidade a fé é algo incontestável. As crenças tidas como verdades absolutas nunca precisaram de nenhuma materialização para ser objeto de devoção. A proliferação de templos e igrejas tem instigado a procura pela salvação, que para muitos é a única esperança. Para tentar entender este processo que surte tanto efeito em meio às pessoas com saúde debilitada e desacreditadas, a reportagem de O Momento ouviu quem está diretamente envolvido e especialistas no assunto.

Para sentir de perto o poder da fé que move multidões até as igrejas, basta ir ao bairro Frei Rogério, em Lages, onde se localiza a Paróquia Sagrada Família. Todo quarto domingo do mês a Missa da Saúde atrai milhares de pessoas de todas as regiões em busca da cura para suas enfermidades.

Para o padre e psicólogo Valdir Clemente Goedert, que ministra os encontros, o que atrai tanta gente para a chamada “Celebração de Cura e Libertação” é um ritual diferente das missas tradicionais. “Essa missa tem mais emoção e as pessoas tem liberdade para expressar suas angustias”, argumenta. Na quarta-feira que antecede a celebração, acontece o “Cerco de Gericó”, que seria um ritual de adoração dentro da própria igreja, onde através de revezamento um grupo voluntário permanece durante 24 horas rezando pelos enfermos.

O padre enfatiza que o objetivo dos sacerdotes não é curar, e sim evangelizar, mas a cura é um dos efeitos para quem crê. “Embora as pessoas acreditem em Deus, ninguém está livre das doenças, mas estudos indicam que 11% das pessoas que tem fé, têm mais chance de cura”. Segundo ele, para a igreja considerar como sendo um milagre, é preciso haver uma doença incurável e depois de dois anos os médicos declararem a cura.

Durante a missa, há um espaço dedicado aos testemunhos que reforçam o poder da fé no tratamento da saúde. São muitas declarações de melhoras e curas de pequenas doenças. “A cura não é somente física, pois se uma pessoa não está bem consigo e com a família, também está doente. Os depressivos são pessoas que não sonham mais e na missa encontram um sentido para a vida”.

Deus foi a esperança contra o câncer

O casal José Ferreira Machado e Estela Maris da Silva são testemunhas de como a fé pode devolver a vontade de viver. Há dois anos Estela viveu um período dramático devido ao diagnóstico de um câncer maligno no seio esquerdo. Os médicos fizeram a retirada total da mama e ela teve que passar pelo difícil processo de quimioterapia. Desacreditados, viram na crença em Deus a única esperança para continuar lutando contra a doença. José é evangélico e incentivou a esposa a frequentar com ele a Igreja de Deus no Brasil.

Quando o cabelo de Estela começou a cair devido aos fortes coquetéis do tratamento, ele fez uma promessa de que prestaria trabalhos sociais aos carentes se tudo desse certo e que deixaria sua barba crescer à medida que o cabelo da esposa também crescesse. “Foi inacreditável. Um mês depois o cabelo dela estava voltando, sendo que a média de tempo é muito maior”, conta. Cumprindo sua promessa, ficou sem fazer a barba durante um determinado tempo e hoje presta serviços sociais como presidente da Associação de Moradores do bairro Popular.

Estela relata os momentos de angústia que passou e se diz muito mais forte depois que encontrou a religião. “Cheguei a entrar em depressão e não acreditava mais na cura, mas tive tanta força para lutar que nem cheguei a ir para a sala de recuperação depois da cirurgia; também não tive aqueles sintomas terríveis da quimioterapia”, revela. Exames confirmam que a doença regrediu e em breve passará por uma cirurgia de reconstituição da mama.

O pastor Ricardo Steinbach, da Igreja Universal do Reino de Deus, afirma que o que estimula tantas pessoas a procurarem os templos é a força da palavra. “Muitos chegam aqui desacreditadas na vida, e nós os estimulamos a dar a volta por cima, trabalhamos a autoestima através dos tratamentos espirituais. Muitos chegam querendo suicidar-se e saem da igreja com um pensamento positivo”, descreve.

A vida do próprio pastor é um exemplo de superação. Ele conta que na adolescência bebia, fumava, usava drogas ilícitas, adquiriu uma bronquite asmática e chegou a ser preso. Hoje aos 27 anos, há dez dedica-se à igreja que lhe ofereceu outro caminho. “A cura e a mudança de vida dependem da parceria da pessoa com Deus. Primeiro é preciso querer mudar”.

Tratamentos espirituais requerem cuidados

Os tratamentos espirituais, que antes eram um tabu para a medicina, cercados de ceticismo e descrenças, estão ganhando espaço e sendo considerados um fator relevante, principalmente em tratamentos de casos crônicos e diagnósticos traumáticos de longa duração. Segundo a psicóloga e pedagoga Cláudia Waltric Barbosa, estudos em torno desse tema mostram que a fé tem grande força e traz bons resultados principalmente na luta contra a dependência química.

“O próprio estresse do dia-a-dia nos traz situações de falta de esperança, e quando refletimos que somos humanos e acreditamos em uma força maior, temos uma mudança de comportamento, inclusive na área cerebral; ainda não se sabe como age no organismo, mas já se admite que surta efeitos positivos”, comenta.

Para Cláudia, a igreja passa a ter um papel importante como uma entidade acolhedora para as pessoas que não veem mais alternativas na sociedade. A principal característica é o resgate da autoconfiança, as palavras de esperança e a ausência de preconceitos.

Na fé as pessoas encontram um acolhimento e a igreja traz benefícios que muitas vezes a sociedade não oferece. “Foi comprovado o poder terapêutico e inclusive órgãos como hospitais e presídios estão aceitando a visita de padres e pastores que vão pregar a palavra. Normalmente essas pessoas só aceitam a religião quando não veem outra saída, mas essa vontade tem que partir delas mesmas”.

Mas é preciso cuidado para que a crença e a fé não se tornem um tormento. A psicóloga alerta que o movimento religioso tem que ter limites, pois tudo o que é excessivo traz efeitos negativos e pode se converter em uma obsessão, fazendo com que as pessoas deixem de viver uma vida normal. “A religião tem que vir para ajudar, desde que seja saudável; se uma pessoa passa a frequentar uma igreja e isso exige dela sacrifícios e mudanças de comportamento, não é mais normal e passa a ser patológico. Quando toma dimensões exageradas em busca da salvação, a família deve ficar atenta”.

Outra preocupação pertinente é quanto ao charlatanismo e as promessas de cura. É comprovado que há muitos casos de pessoas se considerando curadas que abandonam o tratamento médico, e isso pode trazer danos orgânicos irreversíveis. “Havendo qualquer suspeita de doença, primeiro se procura o médico e depois a igreja para ajudar a superar a situação, mas não se deve nunca abandonar o tratamento”.

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