Eu o declaro: celibatário

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sozinhoSer solteiro não é uma anomalia social. O celibato não deve visto da mesma forma apesar da visão geral e deturpada sobre ele.
Em uma terça-feira comum da última primavera, a diretora estudantil de uma universidade cristã nos EUA disse para mim, sua assistente: “Marcy, a cultura cristã de nosso campus faz muitas coisas para preparar os estudantes para a questão do casamento, mas pouco faz para prepará-los para a vida de solteiro. Precisamos fazer melhor. Você deveria ser a pessoa a falar com eles e o título de sua palestra deveria ser ‘Solteiro por opção'”.

Esta diretora é uma pessoa provocante, com instintos apurados. O título da palestra sugerido por ela tinha a forma de um ultimato: reconsiderar nossas conclusões sobre a vida de solteiro e sobre casamento, conclusões estas que nos foram transmitidas por antepassados desta universidade cristã. Era também um ultimato para mim, como representante da mais recente geração de jovens adultos, que de acordo com o último censo norte-americano, não se casarão antes dos 27 anos de idade, além de um quinto de nossa população de jovens adultos que nunca irá se casar.

Existem várias razões pelas quais tentamos prolongar nossa vida como solteiros. Sociólogos como Rubert Wuthnow e Christian Smith apontam para um mercado de trabalho em transformação, que exige dos jovens longos anos de educação, que vai além de um grau universitário de apenas quatro anos. Muitos jovens adultos dedicam seus anos após a universidade para trabalhos voluntários ou estágios que são de baixa remuneração. Para o jovem na casa dos 20 anos, poucas carreiras estão disponíveis no mercado que possuam a carga horária de 9 da manhã às 5 da tarde, período fixo que antes estimulava os jovens a refletir acerca de dedicar tempo para constituir família.

Neste clima de empreendimentos e ambição, poucos jovens adultos experimentam da vida de solteiro como uma condição digna de sua atenção e preocupação. Quando perguntei a um amigo de 28 anos a razão pela qual ele nunca foi a um evento para solteiros em minha igreja, ele disse que não sabia que precisava ir. De fato, apesar da igreja que freqüento estar situada em uma cidade universitária e possuir mais de 120 jovens adultos solteiros em seu total de mais de 500 membros, o ministério com solteiros fechou suas portas por falta de interesse.

Ser solteiro parece que não faz parte da identidade dos jovens adultos e sim os trilhos do trem pelo qual seus anos de juventude transitam.
No entanto, que mudanças virão quando estes jovens completarem 30 anos e continuarem solteiros? Como despertar neles o desejo de crescer: comprometer-se a amar uma pessoa, um lugar e um objetivo, sem um organizador de casamentos para fazer o roteiro desta transformação e sem uma cerimônia que sele esta mudança?
Como mostram às suas comunidades que são adultos sem o rito de passagem do casamento? Qual sua identidade como adultos, se estão solteiros: possuem tempo, dinheiro, experiência, mas continuam em foco e sozinhos?
Esta é a questão que minha diretora estava essencialmente expondo a mim: uma mulher de 35 anos, em transição de minha impensada vida de solteira nos 20 anos, para o investimento em longo prazo nos meus 30 anos. Refleti acerca de sua questão por mais de seis meses. Em uma cultura cristã evangélica, que enxerga o casamento e a família como o padrão normal da vida adulta, de que forma posso conceber minha identidade como solteira?

A resposta sobre a qual refleti tem relação com o propósito de vida que vem da questão do celibato. Não estou endossando aqui o retorno à vida tradicional do celibato das ordens religiosas, mas acho que é tempo de pensar: por que não?

Uma proposta modesta
Por que não considerar votos de vocação e compromisso à igreja? O que mudaria, em nossa cultura como solteiros, se a igreja reconsiderasse uma tradição que traz à memória o fato de que vivemos em um tempo entre o primeiro anúncio do Evangelho e o cumprimento final: um tempo no qual o casamento é celebrado e o celibato é considerado um sinal radical de fidelidade a Cristo e a seu corpo?
O que mudaria, na concepção social da igreja, se plantássemos no imaginário da comunidade o cânon dos santos celibatários que exibiam, como solteiros, um retrato de pessoas que viviam com objetivos estabelecidos e engajados no mundo?
Como os solteiros pensariam diferentemente acerca de si mesmos se a igreja os classificasse não através do que lhes falta (estar só), mas através da linguagem de fidelidade que assumiriam livremente (celibato)? Cristãos estão familiarizados com passagens das Escrituras como Mateus 19, onde Jesus fala aos eunucos que renunciaram ao casamento por causa do reino dos céus, ou 1 Coríntios 7, onde Paulo escreve: “Digo porém aos solteiros: é bom que permaneçam como eu”. Segundo Paulo, solteiros estão preocupados com as coisas do Senhor, em como podem agradar a Deus. Pastores evangélicos justificam o celibato com estas passagens, mas raramente promovem o celibato como um chamado desejável. No entanto, precisei redescobrir o retrato do celibato.

A cultura norte-americana descreve “a família dos sonhos” como o ícone da madura vida adulta, que nos é passado através da cultura visual e verbal de nossas igrejas: primeiro vislumbra um casamento, seguido por filhos sentados em frente a um sobrado com jardim florido e uma cesta de basquete na calçada. Faço esta descrição caricata apenas para reiterar o alerta de Rodney Clapp, no livro Families at the Crossroads: Beyond Traditional and Modern Options (Famílias na encruzilhada: além das opções tradicionais e modernas).
Segundo Clapp, a imagem da família herdada na tradição evangélica não é bíblica, mas é um abrigo sentimental criado para servir como um “porto, um oásis, um estabilizador emocional e recarregador de baterias para os seus membros”. Clapp não nega que estas funções são parte do desenho de uma família que serve à humanidade, mas quando estes valores tornam-se fins em si mesmos, o sonho da família cristã torna-se pequeno demais.

Assim como o solteiro, a família torna-se um corpo em si mesmo, formado para a vida, mas sozinho. Clapp sugeriu em 1993, que o retrato que precisa de restauração na consciência evangélica é o retrato da “igreja como primeira família”. Ele escreve: “Com a chegada do reino – que se manifesta física, espiritual, social e individualmente, no presente e no futuro – Jesus cria uma nova família de seguidores e agora exige que esta seja a aliança primordial”.

Em Cristo, Paulo tinha uma narrativa coerente para estar solteiro. Paulo proclamava-se como um homem celibatário, apaixonado pela missão da igreja. Ele não era solteiro “porque sim”, e não era solteiro sozinho. Ao invés disto, Paulo se enxergava como um homem único e livre para amar toda a humanidade e tratar a todos como sua mãe, irmãos, irmãs e filhos. A tradição que cresceu em torno desta realização familiar primordial do reino foi o celibato.

Tendo como base a compreensão da igreja como a primeira família, o celibato permaneceu ao lado do casamento durante dois milênios, como uma narrativa vocacional que é mais ampla do que a ambição individual e mais duradoura do que o “sonho americano”.
“Esta é uma visão da bondade de Deus para uma mulher devota… uma visão na qual estão muitas palavras de conforto, dirigidas a todos que desejam ser amantes de Cristo”, escreveu a inglesa Julian de Norwich, no século 14. O formato de seu abrigo ao fundo da igreja, era o formato de sua vida: durante o dia ela orava por horas e entre as orações, ela permanecia na porta do abrigo compartilhando notícias, conselhos e orações com os vendedores que passavam.

Li as memórias espirituais de Julian no último verão, sob o balcão da cozinha de meu apartamento com as janelas abertas para as calçadas do campus e onde a porta dos fundos fica em frente à igreja. Na vida celibatária de Julian eu havia vislumbrado um retrato do que eu realmente gostaria de ser. No fim das contas, nunca dei a tal palestra “Solteiro por opção”. Entretanto, promovi discussões sobre o tema em minha igreja. No período entre algumas discussões, fui almoçar com uma de minhas melhores amigas, que é solteira. Após falar efusivamente por meia hora sobre a discussão recente, perguntei a ela: “o que você acha de ser solteira?”
Minha amiga não é passiva. É uma artista, uma líder e seus olhos transmitem o sentimento de quem enxerga o mundo com muito significado. Mas nesta ocasião, seus olhos pareciam exaustos. Quando ela os levantou, estavam cheios de lágrimas: “Eu queria estar casada”, ela disse. E tornou a ficar cabisbaixa.

Estou convencida de que a abordagem passiva ou paliativa exibida por muitas igrejas acerca da vida solteira, não possui algo substancial para sustentar uma vida completa e comprometida de vocação, mas a solução não é o olhar romântico acerca do tema que na realidade é algo difícil.

Desde os tempos de Paulo, o celibato formal na igreja tem demonstrado excessos e erros. Não quero demolir a idéia do mito das princesas nas revistas de noivas para substituí-lo com uma imagem falsa e idealizada de vestes espirituais. Somos celibatários, mas somos humanos. Somos casados, mas somos humanos. A história do cristianismo agracia as duas situações com alegria, mas também nos apresenta a sensação de que o nosso amor ainda quer mais. A honestidade da resposta de minha amiga arrancou o triunfo de minha voz e lembrou-me que o maior testemunho da comunidade do celibato pode ser a sua solução ainda por ser desvendada.

Na tradição católica, quando candidatos de ordens religiosas são trazidos perante o bispo para fazer seus votos de permanecerem comprometidos com o celibato a Cristo e sua igreja, o bispo lhes diz: “Você deve considerar novamente e quantas vezes for necessário o tipo de carga que está colocando sobre si e sobre seu compromisso. Até agora você está livre. Você ainda pode, caso queira, voltar-se para os objetivos e desejos do mundo. Mas se receber esta ordem do celibato, não poderá retornar de seu propósito. Você deverá continuar o serviço a Deus e com seu auxílio, observar a castidade e para sempre estar ligado às ministrações do altar, servindo Àquele que reina e reinará”.

Os termos oferecidos em um voto formal de celibato são tanto amedrontadores como atrativos e estranhamente não são diferentes de termos impostos nos votos do casamento. Enquanto a castidade requer que casais dividam a intimidade um com o outro apenas e solteiros se abstenham do sexo, os dois chamados exigem sacrifício e dedicação; ambos surgem do compromisso de amor e fé. Isto significa que o celibato não é necessariamente uma vocação terminal. Deus poderia certamente chamar um adulto solteiro para uma nova forma de ser no mundo. Mas esta declaração presume o fato de que ele ou ela possua uma identidade prévia. Em outras palavras, nossa atenção ao casamento como um chamado divino torna-se mais forte quando é realizado por duas pessoas que primeiramente eram celibatárias e nisto residia sua identidade.

Apesar de algumas igrejas não adotarem o voto celibatário, ainda podemos usar a palavra celibato para honrar e nomear a vida de contracultura para a qual os solteiros são chamados. Fazendo isto, encorajamos as pessoas a mais do que apenas abstinência sexual. Abençoamos a vocação dos solteiros. Retomamos a história da igreja e relembramos de nossa verdadeira família. Ungimos os solteiros como chamados, vocacionados, com dons familiares que expandem a igreja e sua missão.

Celibato hoje
O retorno à cultura que acolhe o celibato pode acontecer simplesmente através do crescimento de cristãos solteiros que retratem o significado deste celibato. Qualquer um que tenha lido as memórias espirituais de Donald Miller perceberá em sua narrativa de bares, cafés, universidades e carros, a história de um homem celibatário que, assim como Francisco de Assis, está descalço e mobilizado para encontrar a face de Jesus em todas as pessoas. Junto a Donald Miller estão outros como Shane Claiborne, um jovem da comunidade Simple Way, na Filadélfia, que junto com casais e solteiros tem uma comunidade comprometida com a pobreza, castidade e obediência, um padrão moldado no início da igreja e ordenado posteriormente por São Benedito.

Ser solteiro não é uma anomalia social, o celibato não deve ter esta aparência para nós também. A vida pós-moderna, Madre Teresa e o novo movimento monástico trouxeram o santo desafio do celibato perante a igreja. A oportunidade da igreja nesta questão é simplesmente nomear o que vê: uma explosão no número de jovens adultos com altos graus de educação, criativos, empreendedores, espiritualmente intuitivos e aptos a investir em um chamado que tem raízes – como os monásticos que iluminaram o livro de Kells e efetivamente salvaram a transmissão dos textos das Escrituras. Ou como os Pais da Igreja como Atanásio ou as mães da igreja como Macrina, teólogos como Aquino, visionários como Teresa de Ávila e sábios do deserto.
O termo “solteiro” não faz justiça à inteligência vital que jorrava destes santos que canalizaram suas afeições casando-se com a mobilizada família da igreja. “Celibatário”, por outro lado, é uma palavra que me diz que eles sabiam exatamente o que estavam fazendo. Sua forma de viver foi escolhida de propósito com sua comunidade em mente.
Somos uma comunidade de intérpretes, continuamente nos espelhando uns nos outros em nosso papel na história do reino de Deus. Restaurando a linguagem do celibato para a igreja, também restauraremos a tradição que historicamente produziu muita vida. Mais importante do que isto, ocorrerá a restauração da família idealizada por Cristo, onde o celibato é uma opção viável, um compromisso valoroso e uma relação sagrada.

Marcy Hintz é membro da Igreja da Ressurreição, em Glenn Ellyn, Illinois (EUA) e formada no Christian Formation & Ministry Program, na Wheaton College Graduate School.

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