Em Uganda, nova frente luta pelos direitos dos homossexuais

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Em março de 2009, três cristãos evangélicos norte-americanos, cujos ensinamentos sobre a “cura” do homossexualismo foram amplamente desacreditados nos Estados Unidos, chegaram a Kampala, a capital de Uganda, para uma série de palestras.

O tema do evento, de acordo com Stephen Langa, seu organizador ucraniano, era “a agenda gay – aquela agenda obscura e sinistra” -, e a ameaça que os homossexuais representampara os valores dispostos na Bíblia e a família tradicional africana. Por três dias, de acordo com participantes e gravações, milhares de ugandenses, entre os quais policias, professores e políticos de projeção nacional, ouviram atentamente as palestras dos norte-americanos, apresentados como “especialistas” em homossexualidade. Os visitantes discutiram sobre como fazer com que homossexuais se tornassem heterossexuais, sobre a sodomização de garotos adolescentes por homossexuais, e sobre como “o movimento gay é uma instituição malévola”, cujo objetivo é “destruir uma sociedade cuja base é o casamento e substitui-la por uma cultura de promiscuidade sexual”.

Agora, os três pregadores se viram colocados na defensiva, e alegam que não tinham a intenção de ajudar a promover a espécie de ira que pode conduzir ao que aconteceu em seguida: um projeto que prevê a imposição de pena de morte para casos de homossexualidade.

Um mês depois da conferência, um político ugandense até então desconhecido que se gaba de ter amigos evangélicos no governo dos Estados Unidos apresentou um projeto de lei de combate ao homossexualismo que ameaça os gays de morte por enforcamento e, como resultado, colocou Uganda em rota de colisão com as nações ocidentais.

Os países doadores de assistência, entre os quais os Estados Unidos, estão exigindo que o governo ugandense abandone a proposta, alegando que ela viola os direitos humanos, ainda que o ministro da Ética e Integridade de Uganda (que já havia ameaçado proibir minissaias) tenha declarado recentemente que “os homossexuais podem se esquecer dos direitos humanos”.

O governo ugandense, diante da ameaça de perder milhões de dólares em verbas assistenciais estrangeiras, agora está indicando que recuará, ainda que apenas parcialmente, e alterará a cláusula que previa pena de morte, substituída por uma versão que envolveria prisão perpétua para alguns homossexuais. Mas a batalha está longe do fim.

Em lugar disso, Uganda parece ter se transformado em um campo de batalha remoto para as guerras culturais dos Estados Unidos, com grupos norte-americano das duas alas, os evangélicos e os ativistas gays, investindo dinheiro e dedicando apoio cada vez maior ao debate sobre o homossexualismo na África.

“É uma luta pela vida dessas pessoas”, disse Mai Kiang, diretora da Astraea Lesbian Foundation for Justice, uma organização de Nova York que canalizou quase US$ 75 mil para os ativistas ugandenses pelos direitos dos homossexuais, e espera ampliar essa quantia.

Os três norte-americanos que participaram da conferência – Scott Lively, autor de diversos livros de combate ao homossexualismo, entre os quais um que ensina pais a protegerem seus filhos contra o “recrutamento gay”; Caleb Lee Brundige, que se descreve como ex-homossexual e que trabalha como promotor de “seminários de cura”; e Don Schmierer, membro do conselho da Exodus International, uma organização cuja missão declarada é a de “mobilizar o corpo de Cristo e ministrar sacramentos e a verdade a um mundo abalado pela homossexualidade” – estão agora tentando se distanciar da proposta legislativa.

“Sinto que fui usado”, disse Schmierer, argumentando que havia sido convidado a falar sobre “como tratar os filhos” para famílias em que haja filhos homossexuais. Ele reconheceu ter informado às audiências como homossexuais poderiam ser convertidos ao heterossexualismo, mas declarou que não tinha ideia de que alguns ugandenses estivessem pensando em propor a pena de morte para os gays.

“Isso é horrível, completamente horrível”, ele disse. “Algumas das melhores pessoas que conheço são homossexuais”.

Lively e Brundige fizeram declarações semelhantes, em entrevistas ou por meio de comunicados divulgados pelas organizações que integram. Mas os organizadores ugandenses da conferência admitiram que ajudaram a redigir o projeto de lei, e Lively admitiu ter se reunido com legisladores de Uganda a fim de discutir a proposta. Ele chegou a escrever em seu blog, em março, que alguém havia comparado a campanha em que esteve envolvido a uma “bomba nuclear contra a agenda homossexual em Uganda”. Mais tarde, quando confrontado com críticas, Lively se declarou muito decepcionado com a severidade das propostas.

Defensores dos direitos humanos em Uganda afirmam que a visita dos três norte-americanos ajudou a colocar em ação um ciclo que pode se provar muito perigoso. Os homossexuais de Uganda já estão descrevendo uma situação de constante chantagem, ameaças de morte como “morra, sodomita!” pichadas nas paredes de suas casas, constante perseguição, agressões físicas ocasionais e até mesmo casos do chamado “estupro corretivo”.

“Agora temos de realmente viver na clandestinidade”, disse Stosh Mugisha, uma ativista dos direitos homossexuais que diz ter sido agarrada em um pomar de goiabas e estuprada por um lavrador que desejava curá-la de sua atração por mulheres. Ela diz que foi infectada por HIV, mas que a reação da avó dela ao caso foi simplesmente dizer: “Você é teimosa demais”.

A despeito de ataques como esses, muitos homens e mulheres homossexuais ugandenses disseram que as circunstâncias vinham melhorando antes do projeto, ao menos o bastante para que pudessem conceder entrevistas coletivas e defender publicamente os seus direitos. Agora, estão preocupados com a possibilidade de que o projeto encoraje linchamentos.

Multidões já espancaram até a morte pessoas apanhadas cometendo até mesmo pequenas infrações, como o roubo de um par de sapatos.

“O que eles fizeram foi atear um incêndio que não poderá ser apagado”, disse o reverendo Kapya Kaoma, de Zâmbia, que viveu seis meses na clandestinidade a fim de registrar o elo entre o movimento africano de combate ao homossexualismo e os evangélicos dos Estados Unidos.

Kaoma esteve na conferência e disse que os três norte-americanos “subestimaram a homofobia dos ugandenses”, e “o que significa para os africanos quando se fala de determinado grupo como culpado de tentar destruir seus filhos e famílias”. “Ao falar assim”, ele disse, “eles levam os africanos a lutar até a morte”.

Uganda é um país muito fértil, majoritariamente rural, no qual grupos cristãos conservadores exercem imensa influência. Afinal, é esse o país em que há propostas de conceder bolsas de estudo a alunos que se mantenham virgens, canções sobre Jesus recebem os visitantes no aeroporto, adesivos nas portas do Legislativo que definem Uganda como abençoada e uma primeira dama evangélica que sugeriu um censo sobre virgindade como forma de combater a Aids.

Durante o governo Bush, funcionários da administração dos Estados Unidos elogiaram Uganda por suas políticas de defesa da família e investiram milhões de dólares em verbas de assistência para programas de abstinência sexual.

Uganda se tornou um polo para grupos evangélicos norte-americanos. Algumas das personalidades cristãs norte-americanas mais conhecidas passaram por aqui recentemente, muitas das quais para difundir mensagens de combate ao homossexualismo, entre as quais o reverendo Rick Warren, que visitou Uganda em 2008 e comparou homossexualidade a pedofilia.

(Warren recentemente criticou o projeto de lei de combate à homossexualidade, tentando corrigir o que definiu como “mentiras, erros e falsas informações” sobre sua participação na concepção da proposta.) Muitos africanos consideram a homossexualidade como uma importação imoral do Ocidente, e o continente tem muitas leis severas de repressão à homossexualidade. No norte da Nigéria, gays podem ser sentenciados à morte por apedrejamento. Fora da África, alguns países muçulmanos, como o Iêmen e o Irã, também aplicam a pena de morte contra homossexuais. Mas muitos ugandenses dizem que isso seria ir longe demais. Alguns até defenderam os gays.

“Eu posso defendê-los”, disse Haj Medih, taxista muçulmano que atende a muitos passageiros homossexuais. Medih disse que os gays não representam ameaça para ele e que em lugar disso teme a polícia e o governo. ¿Eles é que podem prender alguém e confiná-lo, e para gente como eu não existe advogado que ajude¿.

The New York Times / Terra / Padom

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