É preciso aprender a fazer a diferença

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Em meados deste mês (07/2009), a vitória do futebol brasileiro na Copa das Confederações ganhou novamente repercussão mundial. Desta vez, em razão da manifestação de fé dos jogadores da Seleção Brasileira após vencerem a partida final, contra os Estados Unidos. Atletas e equipe técnica uniram-se em um grande círculo no gramado do estádio Ellis Park, em Johanesburgo, na África do Sul, e oraram a Deus, em agradecimento pela vitória. Joseph Blatter, presidente da Fifa – Federação Internacional de Futebol Amador, fez um alerta formal à Confederação Brasileira de Futebol e decidiu proibir manifestações religiosas durante a Copa de 2010, afirmando que “esse tipo de gesto cria confusão entre a religião e o esporte”.
E o que esse assunto tem a ver com os leitores de Comunhão? É que nessa reportagem, o foco é a diferença que o crente pode e deve fazer em seu ambiente de trabalho. Um tema que, assim como aconteceu com a Seleção Brasileira, pode provocar polêmica e sanções quando sai da teoria para a prática. As punições, como quase ocorreu com o time brasileiro, podem de fato acontecer com quem decida manifestar de forma inadequada a sua fé religiosa no ambiente profissional.

Então, como o cristão deve se posicionar diante dessa questão, principalmente levando em conta que a maior parte do dia é passada no trabalho? Para o empresário Fábio Hertel, “não tem essa de ser ‘crente 007′, de quem ninguém conhece a identidade. A melhor maneira de mantermos nosso comportamento dentro de um bom testemunho é professar nossa fé publicamente. Se nossa fé é pública, já nos exigem postura ética cristã. Assim, sempre que posso, confirmo constantemente meu posicionamento cristão através de palavras, ministrações, orações e envio de textos bíblicos encorajadores”.

Hertel prossegue afirmando que o crente precisa saber que a empresa é um campo missionário, mas não é uma igreja. Por isso, pondera: “Se queremos ser sal, temos que salgar com toda a radicalidade e características do sal, mas com a quantidade adequada, para não estragar o tempero. Não precisamos atropelar hierarquias e o ambiente organizacional das empresas”.

A estratégia mais adequada já foi ensinada por Jesus. No versículo 16 de Mateus 5, Ele exorta os discípulos da seguinte maneira: “Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus”. A proposta de Jesus para os seus discípulos é que eles façam a diferença em sua geração, na compreensão de que toda a glória pertence ao Senhor.

Fazer a diferença é ter atitude
Em Mateus 5:13-16, aprende-se que cristianismo é sinônimo de uma vida que faz a diferença. Seja no exercício da profissão, do sacerdócio ou nos relacionamentos pessoais com a família, amigos e até desconhecidos, o cristão foi resgatado das trevas, da morte, do pecado, para ser sal da terra e luz do mundo, sendo tudo para glória de Deus.

E fazer de fato a diferença é adotar a postura de um cristão que anda com Deus e que reflete esse andar nos seus relacionamentos e atitudes. Fábio Hertel lembra que, muitas vezes, isso traz dificuldades: “Não é fácil. As estruturas do mundo são perversas. O ‘deus mercado’ não deixa barato e também quer prosélitos e adoradores. Vivemos em luta, ou não? Todos os dias somos desafiados, testados, confrontados, para que de alguma forma neguemos os valores do nosso Deus”, afirma.

O técnico judiciário Sáimonton Pereira de Lima, assistente do diretor do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região e membro da Igreja Presbiteriana, concorda e alerta: “Não é fácil ser cristão nos dias de hoje, quer se esteja em casa, na escola ou trabalho. Mas, como é nesse que passamos a maior parte do nosso tempo, é ali que somos mais provados. É preciso vigiar para não sermos pedra de tropeço para aqueles que ainda não conhecem a Cristo, e lembrar do que nos ensina Paulo: ‘aquele que pensa estar em pé, veja que não caia'”.

Para Sáimonton, os obstáculos podem estar na personalidade ou no ambiente organizacional. “No primeiro caso, é preciso não deixar que aflorem sentimentos como raiva, inveja, arrogância e preconceito, o que nem sempre é fácil, pois tratamos com pessoas as mais diversas; mas o cristão precisa fazer diferença justamente nas situações críticas. No segundo caso, você faz parte de grupos que muitas vezes, para alcançarem um objetivo, fazem ‘qualquer coisa’, e é difícil ser a voz que vai dizer não a este tipo de comportamento, correndo o risco de ser deixado de lado em algumas situações”, adverte.

Falando sobre a postura do cristão que anda com Deus, o reverendo Aubério da Silva Brito, responsável pela implantação da Igreja Presbiteriana em Bento Ferreira, descreve o que seria um bom testemunho no trabalho: “Para mim, o crente que faz diferença no trabalho é aquele que leva em conta o que a Palavra de Deus diz sobre isso, a partir do texto de Efésios, capítulo 6, onde Paulo fala de servos e senhores. Ele se dirige à Igreja, mas são princípios válidos também para nós, nos dias de hoje. E quais são eles? Em primeiro lugar, o empregado crente faz diferença quando aprende a obedecer aos seus chefes. E a razão para essa obediência é muito clara lá em 1 Timóteo 6:1, ‘…para que o nome de Deus e a doutrina não sejam blasfemados'”, explica.

Em sua opinião, quando alguém contrata um crente, espera alguma coisa diferente desse empregado. E se ele ‘faz o que todo mundo faz’, a Palavra de Deus é blasfemada e Seu nome fica em jogo. “Muitas vezes os crentes são desacreditados por mostrarem marcas de quem lida de forma irresponsável com o trabalho, o que não é aceitável. É preciso se espelhar em figuras como as de José, Daniel, Neemias e tantos outros, que foram competentes no que faziam e ganharam a confiança e admiração de seus patrões”, afirma Aubério.

Mas o pastor faz questão de ressaltar que há momentos em que o crente não deve obedecer. “Quando o patrão ordena coisas que afetam o relacionamento do crente com Deus, ele não deve obedecer, porque é melhor agradar a Deus do que a homens. Existem coisas que os patrões falam e fazem – até mesmo patrões crentes! -, ou mandam fazer, que contrariam a Palavra de Deus. Aí, o crente não deve obedecer. Essas situações colocam o cristão entre a cruz e o punhal: ‘Se eu não fizer, perco meu emprego. Se fizer, eu fico, mas, e a minha consciência? Como é que eu vou me colocar diante de Deus?’ Nessa hora, eu creio que o crente deve primar pela vontade do Senhor, embora vá sofrer dificuldades. O crente, mais do que ninguém, tem que viver pelo que é correto. Nesse sentido, não tem como entrar em crise, pois ele sabe o que é certo, porque está lá na Palavra. E mesmo que isso não lhe angarie elogios, ele vai andar pela justiça”, sustenta.

Já para o pastor José Ernesto Conti, não existe ambiente organizacional que seja obstáculo para o crente. “Creio que existam pessoas nas organizações que são obstáculos para aqueles que fazem diferença, mais por verem suas fraquezas e falhas expostas do que pelo fato de quem as expõe ser crente”, argumenta. Para ele, o que pode provocar perseguição é o fato de o crente apontar o pecado do mundo. “Qualquer chefe se agrada de bons colaboradores. O que o mundo não gosta é de ver seu pecado exposto. O apóstolo Paulo diz que estes ‘homens detêm a verdade pela injustiça’ (Rm 1:18). Quando isto acontece, o crente denuncia. É isso que causa perseguição”.

Conti acrescenta que no mercado profissional existem regras que precisam ser observadas, por crentes e não crentes. A diferença está, a seu ver, em que o crente costuma ter uma faixa de tolerância menor. “Um não crente pode aceitar dar desculpas não verdadeiras para justificar uma falha, contar alguma mentira para livrar-se de uma situação que lhe compromete, sem que sua consciência o acuse. Na verdade, o próprio meio aceita e estimula esta atitude. Ser crente exige uma dose de sacrifícios, principalmente no que se refere a dedicação, compromisso, lealdade, sinceridade, mesmo que o salário não justifique tudo isso”.

Quando o ambiente é problema

Ter um trabalho, uma profissão, é condição básica para uma vida digna. Por outro lado, o mercado está longe de absorver toda a mão de obra disponível, e a disputa por um emprego é árdua e cruel. Um dos conselhos que mais comumente se ouve é: “Quem tem seu emprego, que o segure”. Mas o que fazer quando o crente trabalha em empresas de cujos objetivos ele não partilha ou que atuam em áreas que a Bíblia considera reprováveis – como, por exemplo, uma fábrica de cigarros? Há também situações em que a empresa pode exigir do empregado crente uma postura que não condiz com seus valores, e ainda aquelas empresas que burlam as leis, fato particularmente comum quando se trata do pagamento de impostos. Nesses casos, até que ponto o crente deve insistir em transformar o ambiente à sua volta?

“O crente precisa saber que existem ambientes em que, infelizmente, ele não vai prosperar. Não tem jeito. Ele não pode trair ao próprio Deus, agradar ao seu patrão ou empresa desagradando ao Senhor. Se somos servos do Senhor, a nossa vontade tem que ser a vontade dEle. Nesse sentido, há lugares em que o crente vai estar realmente em profunda tensão. Essa tensão existe principalmente porque nós somos pecadores, egoístas, egocêntricos e errados, e o trabalho foi tomado por isso. Mas temos que lembrar que a vida, assim como a relação trabalhista, é coberta pelos valores do Evangelho. Então, nessa hora, muitas vezes o crente vai perder para ganhar. Ele vai perder talvez até, quem sabe, um cargo, mas ele ganha, porque está servindo ao Senhor com fidelidade. A Palavra de Deus diz isso, que nós devemos fazer tudo, inclusive o nosso trabalho, como para o Senhor – o nosso verdadeiro chefe”, destaca o reverendo Aubério.

Fábio Hertel lembra que também é preciso crer que “o Senhor é o meu pastor e nada me faltará. Então, nada vai nos faltar: perseguições, problemas, traições etc. Mas esta é a grande diferença entre o crente e o homem sem a revelação de Deus. Teremos aflições, mas o Senhor está conosco. Não busco vingança, porque esta é de Deus. Cuido do meu caráter, porque de minha reputação cuida o Senhor”, afirma.

“Nunca é fácil colocar Deus em primeiro lugar”, concorda Sáimontonn. “É preciso pagar o preço para ter compromisso com Deus. O que faço é fortalecer o meu espírito todos os dias. A primeira coisa que faço ao acordar é ler a Bíblia e orar. Antes de tomar qualquer decisão, eu busco a orientação de Deus, mesmo que seja uma coisa simples”, diz.

Hertel complementa com outras dicas: “Passamos a maior parte de nossa vida no trabalho. Então temos que aproveitar cada encontro como uma oportunidade. Peço a Deus mais ousadia e intrepidez, repreendendo a timidez ou acomodação. Também crio rotinas que constantemente me lembram de que sou um missionário disfarçado de feirante. Converso com as pessoas sobre a Palavra. Quando tenho oportunidade, leio a Bíblia e oro com elas. Depois do almoço, leio a Bíblia e faço anotações pessoais. Procuro me cercar de pessoas fervorosas, que me aconselham e encorajam. Também converso freqüentemente com minha esposa sobre todos os assuntos, e ela me desafia a hoje ser mais crente do que ontem. Não dá para caminhar sozinho”.

Fábio acrescenta que seu desejo é ser produtivo e influenciar pessoas. “Me esforço para ganhar a confiança dos colegas. Penso que um crente não pode se dar o luxo de ser chato e cheio de inimigos. Temos a obrigação de criar laços afetivos dentro da empresa. Somos mordomos de nossos relacionamentos também, e o Senhor vai nos cobrar que tipo de influência exercermos sobre nossos colegas”, acredita.

Ser sal e luz, ter sal e luz

Em Mateus 5:14, fica claro que a intenção de Jesus é mostrar que as pessoas só conhecerão a verdade se cada crente deixar que a Sua luz brilhe em si. No Evangelho de João 8:12, Jesus afirma ser a luz do mundo, e que aqueles que O seguem nunca mais andarão em trevas, mas terão a luz da vida. Cada cristão tem a luz da vida, e por isso Ele diz que os cristãos são a luz do mundo. Também em Filipenses 2:12-15 o apóstolo Paulo exorta os cristãos de Filipos a brilharem como estrelas no universo.

Quando um crente se conscientiza de que foi chamado para fazer a diferença, leva a sério esse fato, na certeza de que sua vida expõe toda obra das trevas perante as pessoas, constrangendo o pecador a uma nova vida, a despertar do sono (Efésios 5:8-14).

Não se pode esquecer que a vida cristã deve ser vista. Jesus quer que em tudo as pessoas vejam as boas obras de seus filhos – testemunho, vida com Deus, oração, conhecimento da Palavra, educação dos filhos, casamento, vida financeira correta, simplicidade, modo de vestir-se etc. Quando as pessoas olham para a vida de um crente e percebem que ele é diferente, podem, através disso, glorificar a Deus e se converterem a Cristo.

A vida sem Deus não é nada, por isso é sempre oportuno lembrar as palavras do teólogo John Sttot: “Esta, então, é a grande vantagem da vida honesta e semelhante a Cristo, e também da contracultura cristã. Produz bênçãos para nós mesmos, salvação para os outros e, finalmente, glória para Deus”. Que assim seja.

Revista Comunhão / Portal Padom

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