Ditadura espionou missionários

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ditaduranobrasilDocumentos mostram que regime militar interferiu na ação das agências cristãs que atuavam entre indígenas.

O regime militar brasileiro, que perdurou entre 1964 e 1985, espionou os missionários cristãos que atuavam entre os povos indígenas. A informação consta de um calhamaço de documentos guardados havia 30 anos na sede da Fundação Nacional do Índio (Funai) e que, desde janeiro, estão abertos à consulta. São 92 caixas de material – relatórios, cartas, fotos e textos confidenciais – contendo um histórico de como o Estado brasileiro vigiou a ação de obreiros cristãos, sobretudo católicos, durante a ditadura. Grande parte dos documentos foi produzida pela extinta Assessoria de Segurança e Informações, um braço do famigerado Serviço Nacional de Informações, o SNI.

O principal alvo das investigações dos arapongas foi o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão vinculado à Igreja Católica Romana. Fundado em 1972, o órgão foi severamente vigiado durante o governo do então presidente Ernesto Geisel (1974-1979), o quarto general a chefiar o país. A rede de informações ia desde o alto escalão da Funai, passava pelas delegacias regionais do órgão e pelos capitães de postos indígenas. O “dossiê Cimi” engloba em torno de 2 mil páginas. Num dos documentos, o general de Exército Ismarth de Araújo Oliveira, que presidiu a Funai durante a gestão de Geisel, queixou-se dos bispos católicos Pedro Casaldáliga e Tomás Balduíno, co-fundadores do Cimi, classificando-os como a “ala esquerdista da igreja” e acusando-os de usar o índio como instrumento, “criando agitação em áreas tranquilas”.

O Conselho de Missão entre Índios, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), não tem conhecimento oficial de espionagem de pastores que trabalharam em áreas indígenas no período da ditadura militar. Mas está registrado nos arquivos da IECLB, que abriu, inclusive, processo administrativo para apurar suas causas, a expulsão, em 1979, do casal de missionários Roberto e Lori Altmann da Aldeia Indígena 7 de Setembro, no Parque Aripuanã, localizada entre o município de mesmo nome, no Mato Grosso, e Cacoal (RO).

“O motivo alegado para a nossa expulsão era a de que não correspondíamos ao que a Funai esperava do trabalho de missionários e também a suposta incompatibilidade com funcionários do órgão na área”, disse o pastor Roberto em depoimento à Agência Latino-americana e Caribenha de Comunicação. Lori e Roberto desenvolviam, então, o chamado pastorado de convivência na comunidade indígena suruí. “Nós passamos a morar na aldeia 7 de Setembro, dentro do Posto da Funai, e isso gerou tensões”, avalia Roberto Altmann.

Tanto o Cimi quanto as missões ligadas à Associação das Missões Transculturais Brasileiras (AMTB) demonstraram interesse em conhecer na íntegra os documentos relativos ao período. No entender dos obreiros cristãos envolvidos na ação missionária com os povos indígenas, a postura do Estado brasileiro durante o período pode ajudar a compreender a atual política da Funai e de órgãos oficiais em relação à questão. Nos últimos anos, diversos entraves legais têm sido impostos às agências missionárias.

(Com reportagem da Agência Latino-americana e Caribenha de Comunicação – ALC)

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