Crack destrói família do ‘Homem-Aranha’ fotografado pelo CORREIO

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Com uma faca na mão e uma fogueira na porta de casa, feita com o que restou das roupas do filho, o técnico em enfermagem Raimundo Stephensen Azevedo dos Santos, 54 anos, pediu a morte do próprio herdeiro. “Ele é um perigo para si, para as pessoas. Foram duas facadas nas minhas costas, quebrou meu dedo”, enumera, para depois desabafar: “Meu Deus, só queria salvar meu filho. Qual o jeito que tem para ele? Não vejo jeito. O único é morrer”.O desespero é pela busca de tratamento para Pedro Vicente dos Santos Neto, 23, esquizofrênico, usuário de crack há oito anos e 22 internamentos. Personagem da imagem Ladrão em fuga, que rendeu o Prêmio Imprensa Embratel/2009 na categoria Fotografia ao CORREIO, na tarde da última segunda-feira, Pedro tinha acabado de entregar o celular do pai a um traficante na boca-de-fumo que fica a menos de 20m da casa. Foi o segundo celular em menos de uma semana. Mas era também Raimundo quem estava fora de si quando a equipe do CORREIO chegou à casa onde moram, na Baixa da Paz, em Cosme de Farias.

Pedro Vicente, homem aranhaDesespero
Com a camisa molhada de suor, o pai gritava, com uma faca em punho, que não tinha conseguido segurar o rapaz em casa até a chegada da equipe de reportagem, na tarde da última segunda-feira. “Tentei de tudo, mediquei para ver se ele se acalmava, mas não adiantou. Vou matar ele ou ele vai me matar. Não consigo mais conviver com isso”.
O cheiro de roupa queimada invadia a casa de três andares. Seu Raimundo respirou fundo, deixou a faca na cozinha. Trancado dentro de casa, deu início à história da doença do filho, da dependência do crack, da busca por tratamento e da destruição da família. Abandonado pela mãe com 1 ano, Pedro foi criado pelo pai. Aos 9 anos, começou com maconha, comprada em frente ao Colégio Estadual Luis Vianna Filho, em Brotas, onde estudava. Aos 12, ganhou do traficante uma arma para tomar conta de uma boca-de-fumo. Mas a esquizofrenia só foi detectada aos 14, quando ele não concluiu a 5ª série.

Medo
A doméstica Célia Santos, evangélica e madrasta do rapaz, teme pelo pior. “Tenho medo do que ele pode fazer. Não está sendo fácil. Ele já foi espancado várias vezes, não morreu porque Deus deve ter um plano para ele”, crê, Célia, que diz ter perdido o sossego desde 2000.
“Levou DVD, que dividi em quatro vezes e paguei a última prestação dia desses, celular, tudo. Veja: o que tem na minha casa. Mais nada. Ele está levando a gente para o buraco”, conta o pai.
Em abril deste ano, Pedro foi levado para a Delegacia de Tóxico e Entorpecente, flagrado com maconha no Ogunjá. Foi solto. Cem metros depois, na porta da 1ª Delegacia (Barris) tentou assaltar um pedestre. Ficou detido 15 dias e foi mandado para o Hospital de Custódia e Tratamento (HCT) – unidade prisional para portadores de doença mental. “Meu maior medo é que o traficante, em represália, para cobrar uma dívida, venha ameaçar a mim e minha família”, diz seu Raimundo.

Hospitais psiquiátricos recusam paciente
Seu Raimundo gradeou a casa. Sobe até o segundo andar e traz uma pilha de papéis atestando internamentos, receitas médicas, acompanhamentos psquiátricos, um laudo do Hospital de Custódia e Tratamento (HCT) – unidade prisional para portadores de doença mental. “Eu percorri diversos hospitais psiquiátricos. Dois dias antes daquela crise (a fuga registrada pelo CORREIO), estive no Sanatório São Paulo, o Mário Leal, o Juliano Moreira. Se alguém aceita ele, não estava daquele jeito no jornal”, lamentou.
Traz também um saco cheio de remédio se derrama sobre o chão. “Tento dar Halo Decanoato, Diazepan, Tegretol, Gardenal. Ele se recusa a tomar. Aí ele surta, consigo internar. Liberam ele. Nos primeiros dias, toma o remédio, depois se recusa”.
Os ciclos são descritos pelo pai. As tentativas de tratamento no Centro de Atenção Psicossocial Aristides Novis (Caps), segundo ele, não deram certo. “Ele começa, mas desiste. Ele tem que ficar longe daqui um tempo, ser internado compulsoriamente. Quando volta para casa, se junta com os marginais. O deputado Paulo Delgado (autor da lei que extinguiu a internação compulsória e manicômios em substituição a centros assistenciais como o Caps) não tem um filho assim. Quero ver se aparece um filho de Deus para me ajudar”, apela Raimundo.
A dificuldade de tratamento nos casos como o de Pedro – esquizofrênico e usuário de crack – é reconhecida pelo psiquiatra do Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas (Cetad), Esdras Cabus. “Quando existe comorbidade com outra doença psiquiátrica, a situação ainda é mais dramática”, pontuou.
Segundo Cabus, a internação é necessária para diminuir a compulsão e possibilitar intervenções continuadas. Mas não existe um local para tratar da forma correta o problema. Os hospitais psiquiátricos se recusam a atender usuários de drogas – mesmo extremamente agitados e com doenças como depressão severa e esquizofrenia. “Quando sabem da existência do uso de drogas, recusam o internamento”, reconhece. “Está um caos completo. O pobre não tem para onde ir. O Caps deveria lidar ‘in loco’, na comunidade, ser responsável também pelo território do paciente”.
Internação de dependentes químicos é polêmica
Para o pai, o filho precisa de internamento, além do acompanhamento psiquiátrico e das oficinas terapêuticas oferecidas no serviço municipal. O CORREIO procurou a gerência do Caps Aristides Novis, no Engenho Velho de Brotas, onde Pedro e a família eram atendidos, mas não obteve respostas sobre o tratamento.
A coordenadora municipal de saúde mental, Maria Célia Rocha, explicou que encaminhou o caso para o centro de atenção para pacientes usuários de álcool e drogas (Caps A/D), em Pernambués. “Não conheço o diagnóstico e não sei que tipo de adesão vai ter o tratamento. Existe uma dificuldade do Caps em acompanhar e do paciente em aderir. Mas é necessário que o paciente entenda a necessidade do tratamento”, afirmou Maria . Segundo ela, o internamento é indicado apenas quando há risco de intoxicação.
Já para a diretora da gestão do cuidado, da Secretaria Estadual da Saúde (Sesab), Débora do Carmo, o caso de Pedro é duplamente problemático e concorda que em alguns casos o internamento compulsório é necessário. “Vamos tentar 15 dias de internação no Juliano Moreira e indicar uma comunidade terapêutica. Vamos entrar em contato com o município para organizar uma ação conjunta, aliando internamento e atendimento ambulatorial”, prometeu Débora.
Embora possa tranquilizar a família, o confinamento de dependentes químicos em clínicas e fazendas terapêuticas é uma estratégia pouco eficaz de combater ao crack. O desafio é lutar contra a droga em sua própria realidade – recebendo acompanhamento e incentivos para se manter longe do vício. “A família fica no limite e a convivência é muito difícil, mas não deve achar que vai afastar o problema com a internação”, pontuou Débora.

‘Eu quero me internar’
No dia da fuga alucinada, registrada pelo fotógrafo Adenilson Nunes em 19 de agosto de 2008 nas ruas do Comércio, Pedro estava em um dos surtos, atrás de dinheiro, para comprar crack. Nesta conversa, na porta de casa, ele explicou o dia em que saltou sobre carros, foi cercado e dominado por populares. Pai de um garoto de 3 anos, Pedro, ao final da entrevista, pede R$30 para resgatar o celular do pai, que havia acabado de empenhar.

Você lembra do dia da foto?
Eu estava na Praia da Preguiça, briguei com uns caras da Vila Laura. Aí fui tentar furtar um celular no Comércio, tentei escapar correndo sobre os carros, mas não consegui. Fui pego.

E se reconheceu na foto?
Sabia sim que era eu.

O que você fez com o celular de seu pai, Pedro?
Empenhei por R$30. Troquei por droga e tomei cinco cervejas. Mas tinha uma semana que eu não usava. Eu quero ir me tratar, me internar. Vou me libertar dessa droga.

Correio 24h / Padom

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