Abuso sexual – a superação do trauma pela fé

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Joide Miranda tinha apenas seis anos quando foi convidado por um advogado a entrar em seu carro. Quando percebeu, já estava em um local que mais tarde reconheceria como um motel. “Ali ele me violentou pela primeira vez. Eu sofri muito e comecei a chorar. Ele viu que eu estava chorando, começou a me acariciar, me deu algumas balinhas e um trocado. Ele disse que aquilo era normal. Como eu era simplesmente uma criança, achei que aquilo era normal”. De volta para casa, ainda chorando, o garoto sentiu vontade de contar ao pai sobre o abuso sexual. No entanto, logo desistiu da idéia. “Quis compartilhar o que tinha acontecido, mas o meu pai estava bêbado. Como compartilhar o que eu tinha sofrido, se eu não tinha um pai dentro de casa? Se eu não tinha um amigo, um companheiro, um conselheiro?”.Rozangela Justino, psicóloga presidente da Abraceh – Associação de Apoio ao Ser Humano e a Família -, explica que após o primeiro contato sexual a criança cria certo tipo de dependência com a figura do abusador quando não existe uma referência adulta. “Ela fica presa ao abuso e ainda que incomodada com este tipo de relacionamento, acaba permitindo que ele ocorra por que não tem quem converse com ela e lhe dê carinho. Aceitar isso pode parecer para ela uma forma de amor”.

O referencial de um pai agressivo e acóolotra impulsionou Joide a buscar o afeto do homem que o havia violentado e morava próximo de sua casa. “Ele me colocava na mesa onde tinha os papéis e começava a brincar comigo. Depois me colocava no colo. Como eu não tinha o amor do meu pai dentro de casa, ele começou a me dar carinho. Aquilo começou a despertar o meu interesse”. A prática pedófila durou quase um ano, quando Joide passou a recusar os convites do advogado por ter começado a molestar outros meninos.

Homossexualismo

As marcas de uma violência sexual refletem de imediato no comportamento da criança e na formação de sua identidade. L.R. conta que, aos 5 anos, após o abuso enquanto tomava banho pelo irmão de consideração, se tornou violento até completar a quarta-série do ensino fundamental. “Eu era de uma forma quando criança. Era mais extrovertido. Na adolescência travava, não conseguia me relacionar”. O desenvolvimento da homossexualidade veio numa fase classificada por L.R. de experimentação. “Desde pequeno já tinha um desejo sexual que uma criança normal não tem. (…) Na adolescência tinha muita carência sentimental e física”.

“Quando abusado por pessoa do mesmo sexo mais velha, o menino pode sentir prazer na relação com o mesmo sexo e levá-lo a atração homossexual na vida adulta. (…) Somos seres sexuados e a prática do sexo de forma carinhosa, pode nos dar prazer com ambos os sexos”, avalia Justino.

Para W.T., a associação ao órgão genital feminino era algo nojento, uma vez que o local onde foi molestado por uma mulher, em torno de uma privada. Isso foi fundamental para que na puberdade procurasse em pessoas do mesmo sexo a satisfação de seus desejos. “Nunca consegui relacionar-me com o sexo oposto de forma saudável. Havia uma época que sequer podia ser tocado por uma mulher que já sentia vontade de agredi-la (embora nunca tenha feito isso)”.

Muitos meninos abusados por mulheres ficam com aversão ao sexo oposto. “A criança não está pronta nem física, nem psicologicamente para qualquer apelo sexual. Se for abusada, acontecerá alguma distorção do desenvolvimento da sua sexualidade”, reflete Justino.

Sentimento de rejeição

Aos 12 anos, Joide começou a manifestar um sentimento de repúdio em relação a própria imagem. “Eu me olhava no espelho e não queria mais ser eu. Foi ainda muito jovem que eu comecei a tomar hormônio anticoncepcional até começar a aparecer os peitos. Deixei o cabelo crescer e fui mudando a minha aparência”.

Além do desenvolvimento da homossexualidade, é muito comum vir à tona sentimentos de auto-rejeição. J.J., molestada num período de seis meses quando tinha cerca de 7 anos pelo tio, relembra os transtornos que viveu. “A minha personalidade foi formada nesse trauma. Eu nunca me achava bonita, era a criança mais feia de todas. Por mais carente que fosse, uma pessoa que queria me agradar, me abraçar, eu achava que queria me enganar. Eu acho que era uma criança muito difícil de lidar. Era muito complexada”. O abuso acontecia enquanto J.J. dormia. “Ele lambia e ficava acariciando a minha genital”.

De acordo com Justino, a razão pela qual tais complexos de inferioridade vêm à tona está justamente atrelada ao ato sexual. “Quando ocorre o sexo oral alguém dá prazer para o outro, pois a maioria que está oferecendo este prazer não sente o prazer em si mesmo – “o seu prazer” é dar prazer para o outro – é uma posição inferior. Quem se submete a esta relação, normalmente acaba se sentindo inferior, sob o domínio do outro”.

Chantagem, uma estratégia do abusador

O sentimento de culpa associado ao medo é uma das maneiras pelas quais a criança não revela a agressão cometida pelo pedófilo. “Ela não tem maturidade para avaliar a situação, acredita que a culpa é sua e pode carregar esta dúvida por toda a vida”, afirma Justino.

“Eu fiquei com medo. Não falávamos sobre sexo em casa; a noção que eu tinha é que era uma coisa suja, feia. E portanto nem podia tocar no assunto”, afirma W.T., que acrescenta a chantagem o motivo pelo qual não denunciou a ex-vizinha aos pais. “Ela dizia que se eu não obedecesse ela contaria aos meus pais que eu estava fazendo coisas erradas com seus irmãos. Além disso, ela dizia que se eu contasse para alguém ninguém acreditaria em mim, e que ela me bateria se eu fizesse isso”.

J.J., molestada de quatro a cinco vezes por semana, relata que “ele era muito engraçado. Eu gostava muito dele, brincávamos. De alguma maneira ele me comprava. Me dava presentes. Se eu fizesse alguma coisa ele dizia que ia falar para os meus pais, mas na verdade não contava. Ele queria que tivesse uma troca”.

Cura em Deus

Pessoas que passam por uma confusão psíquica em razão do abuso sexual evidenciam que, pela fé, existe superação. E é na igreja, com auxílio de pastores e líderes de jovens que J.J. tem vivenciado a sua restauração emocional. “Mesmo tendo traumas a gente escolhe como vai se comportar, se vamos remoer isso na nossa mente ou vamos querer nos abrir para Deus nos mudar. É preciso ter uma visão diferente daquilo que distorceu. É uma escolha. Eu escolhi receber a cura de Deus”.

Aceitar o que aconteceu e procurar auxílio é o conselho de J.J.. “A gente é que sofre e se sente culpada. É preciso procurar alguém como um psicólogo cristão ou um pastor. Essa é uma das coisas que sozinho não dá para superar”.

Rozangela Justino ressalta o termo resiliência, capacidade de superar traumas como uma violência sexual, como uma forma para que a pessoa possa viver bem. No entanto, para ela, “a maioria vive com os sintomas da síndrome do trauma crônico ou do estresse pós traumático. Muitas destas pessoas, além destes sintomas podem desenvolver condutas dissociais, depressão, TOC, transtorno da dependência emocional e outros, até mesmo podendo chegar a um quadro psicótico”.

A psicóloga vê em Deus a melhor maneira de contornar a desordem. “Se ela tem uma boa relação com Deus, ela se sentirá amada e a culpa poderá ser minimizada ou eliminada. O milagre de Deus pode acontecer não somente na conversão como também promovendo curas físicas e emocionais”.

W.T., garante que existe solução para as marcas deixadas por um abuso. “A melhor forma é falar sobre o assunto de forma franca, aberta e à luz da graça de Deus. É assim que as feridas emocionais são tratadas e curadas – é o que nos ensina Tiago 5:16 e 1 João 1:7-9. Quando uma criança é abusada, é muito importante que os pais a confortem e assegurem que ela não fez nada errado, que o adulto é que agiu errado. É importante que os pais amem seus filhos e filhas e reafirmem o seu valor para eles”.

Ainda que seja possível superar as conseqüências traumáticas de uma violência sexual, é importante destacar que existe um processo para que isso ocorra. “Não existem psicólogos que podem trazer a cura. Eles podem ajudar e orientar. Mas sem a Palavra de Deus, sem a intervenção do Espírito Santo de Deus, não há cura. É necessário buscar a Deus. Chorar, pedir para que realmente Ele venha curar esse trauma. A Bíblia diz que tudo o que pedires em oração, crendo, recebereis”, endossa Joide.

Numa comparação a narrativa bíblica de José (capítulo 37 do livro de Gênesis), L.R. entende que assim como o hebreu encontrou a cura em Deus após ser vendido aos egípcios pelos irmãos, a vítima do abuso deve entender que existe diferença entre a vontade e a permissão de Deus. “José superou tudo e Deus o colocou num lugar alto. No caso de um abuso, não é algo que a pessoa tenha culpa por ter acontecido. E Deus também não queria que isso acontecesse porque ele não é masoquista. Mas vivemos num mundo que jaz no maligno. É importante dizer que há um caminho em Jesus para a pessoa ser restaurada independentemente do que aconteceu e ter uma vida totalmente regenerada”.

Guia-me / Padom

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